Salvatore D' Onofrio
O Autor
Dicionário de Cultura Básica
Pensar é Preciso
Literatura Ocidental
Forma e Sentido do Texto Literário
Pesquisando
 
Curso: História da Cultura
 
Campanha: Cidadania Já
 
Artigos:
Ensaios
Filosofia
Literatura
Política
Religião
 
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Curso História da Cultura

Curso de extensão universitária - Disciplina:   História da Cultura (Reflexões sobre Filosofia, Religião, Literatura, Política, Cidadania). promovido pela Academia Riopretense  de Letras e Cultura e ministrado no Rio Preto Automóvel Clube por Salvatore D Onofrio, membro da ARLC.

Sumário:

Introdução ao curso e Pré-história da Humanidade - Visão do conjunto da civilização ocidental: do mito grego à teoria da relatividade – Origens do Universo e do Homem - Apresentação dos tópicos a serem discutidos sobre a insustentável estupidez humana – Objetivos: pensar por si próprio, superando o instinto gregário. Metodologia: transmissão do conhecimento pelo diálogo entre participantes.  Herança greco-romana - Mito e realidade: Eros e Júpiter; Vênus e Marte; Apolo e Dioniso; Édipo e Fedra - Tróia: Ilíada e Odisséia – Atenas: o pensamento reflexivo (Sócrates, Platão, Aristóteles, Epicuro) - Alexandria: o Egito dos faraós, o Helenismo de Alexandre Magno - Roma: a cultura latina.  Moisés: as Tábuas da Lei e o Judaísmo; Moisés, como libertador e legislador: decálogo e doutrina moisaica - Os mitos bíblicos antes de Moisés: criação do mundo e pecado original, perversão e castigo pelo dilúvio. O Patriarca Abraão e a nova Aliança (circuncisão). A descendência de Abraão: Israel (judeus), Ismael (islamitas) e Jesus (cristãos)- Os Profetas (depois de Moisés): do Êxodo à última Diáspora - O Judaísmo depois de Cristo.  Jesus Cristo: o evangelho do amor e a religião do atraso. A figura humana de Jesus - Quem escreveu os Evangelhos? – A primeira fase da Idade Média: o imperador Constantino e a era das trevas (do séc. IV ao XI). O renascimento depois do Ano Mil: Cruzadas, surgimento das línguas românicas, poesia épica e lírica, pintura e arquitetura gótica – A Divina Comédia, de Dante Alighieri.  Maomé e o Islamismo.  A volta do terror o último Profeta - Na caverna do monte Hira - A compilação do Alcorão - A doutrina islâmica - O Islamismo no tempo e no espaço - Reflexões sobre religião e cultura muçulmana. O Renascimento da Europa: do Humanismo ao Iluminismo. A Renascença italiana: Leonardo da Vinci – Os descobrimentos marítimos e Os Lusíadas, de Camões – A novela de Cavalaria e Dom Quixote, de Cervantes – O Teatro de Shakespeare - Lutero e o Protestantismo - A Filosofia: Descartes, Hobbes, Spinoza, Kant, Hegel - A Ciência: Copérnico, Bacon, Galileu, Newton – A política de Maquiavel- Iluminismo e Enciclopédia.  Realismo vs Romantismo: Rousseau como precursor do Romantismo: natureza vs cultura - Goethe e o Romantismo alemão – A Revolução Francesa e os fundamentos da democracia – Realismo, Positivismo (Augusto Comte) e Determinismo (Hipólito Taine: raça e ambiente) – A ficção realista: Flaubert, Balzac, Zola, Dostoievski, Machado de Assis - Existencialismo: Kierkegaard, Heidegger, Sartre, Schopenhauer, Nietzsche. Alan Kardec: a Doutrina Espírita (retomada da crença na reencarnação, já presente no Budismo e em outras religiões orientais). Os três maiores gênios da humanidade: Darwin, Freud e Marx. Darwin: gênese e evolução da espécie humana; a viagem de pesquisa; formulação da tese da evolução: Lineu, Lamarck, Mendel, Malthus; depois de Darwin: teoria do Big Bang. Freud: psicanálise e sexualidade; a estrutura da personalidade (Id, Ego, Superego); as várias fases da libido; Jung: e a teroia dos arquétipos. Marx e a utopia comunista: traços biográficos e formação intelectual; pensamento econômico e político; Capitalismo e Comunismo; Revolução Bolchevique: Lênin e Stalin.  Modernidade: proposta de um Humanismo laico A arte da Vanguarda na Europa: Futurismo, Dadaísmo, Surrealismo, Cubismo - Albert Einstein: a teoria da relatividade - Franz Kafka: o absurdo existencial; Fernando Pessoa: a personalidade múltipla (os “heterônimos”) - Choque de civilizações: totalitarismo secular e fundamentalismo religioso - 1968: Maio despedaçado e filosofia hippie - Abaixo ídolos e líderes - Pensamento alargado: resenha de obras recentes sobre filosofia e teologia - Moral religiosa ou cívica? O único mandamento absoluto, correspondente ao imperativo categórico do filósofo Immanuel Kant: “Não furtarás”, pois todos os outros pecados podem ser qualificados como roubo (corrupção, abandono de crianças, desrespeito ao semelhante etc.). E este preceito não é divino, posto que intrínseco ao próprio viverem comunidade. Semsua observância não há cidadania possível!  Construindo uma Cidadania: reflexão sobre a recorrente cegueira política. Eem busca de uma identidade nacional - A raiz do mal: herança de ignorância, servidão, corrupção, nepotismo, impunidade – Proposta de uma Assembléia Constituinte apolítica, composta por membros da sociedade civil, visando efetuar profundas reformas políticas e sociais, capazes de salvaguardar as liberdades democráticas sem impedir a governabilidade: Parlamentarismo com Bipartidarismo; sistema unicameral com proporção representativa apenas pelo número dos eleitores; candidaturas indicadas pela base partidária através de prévias; propaganda eleitoral veiculada apenas pela multimídia e financiada com dinheiro público; enxugamento do Estado pela abolição de cargos de confiança e de qualquer forma de privilégio. Só assim poderíamos enfrentar os graves problemas sociais: paternidade responsável; educação em tempo integral; saúde e previdência descentralizadas; prioridade ao transporte coletivo; retribuição do trabalho conforme o mérito. Sem justiça social não há democracia que perdure!

 1º encontro (06 /08/ 2009): Pré-história da Humanidade - Há 13 bilhões de anos: origem do Cosmo (a teoria do Big Bang Evolucionismo vs Criacionismo); 400 milhões de anos: origem da vida orgânica. Minúsculos seres anfíbios, parecidos com algas, jacarés ou lagartixas, saíram do mar e ocuparam nichos ecológicos entre a água e a terra, aos poucos se tornando tetrápodes (esqueleto ósseo com dois pares de membros com cinco dedos). 200 milhões de anos: estimativa do surgimento dos primeiros mamíferos, animais maiores, com pele recoberta por pelos, fecundação interna (macho com pênis e fêmea com glândulas mamárias); maxilares, dentes, coração, crânio. 20 milhões de anos: encontrados fósseis de primatas (orangotangos, gorilas e chimpanzés) 05 milhões de anos: data provável da formação completa dos primeiros hominídeos (mamíferos arquétipos do homem) na África Um milhão e 500 mil anos: data a que remontariam fragmentos de maxilar superior do Homo Habilis (utilização de pedras rudimentares como instrumentos) e de crânio do Homo Erectus (passagem de quadrúpede para bípede). Pensa-se na coexistência das duas espécies durante um lapso de 500.000 anos, antes da completa ereção do ser humano. 200 mil anos atrás: data de estimação do término do longo processo de formação do homo sapiens, numa região do sudoeste da África, nas proximidades de Angola. 100 mil anos: início da Grande Viagem. O Homo Sapiens começa a ganhar o mundo ao ultrapassar o Mar Vermelho que separa África da Ásia. Foi em direção à Ásia (60.000 anos atrás), à Oceania (50.000), à Europa (35.000) e às Américas (15.000). 70 mil anos: data a que remontam sinais de trabalhos artísticos encontrados numa caverna da África do Sul. 35 mil anos atrás: data estimada de Venus Peituda, como foi chamada uma estatueta da primeira forma humana documentada até agora, encontrada numa caverna da Alemanha. Esta descoberta arqueológica confirma o mito do matriarcalismo primitivo, especialmente no Norte da Europa: Kalevala, poema épico-religioso da Finlândia (quem criou o mundo foi a virgem Ilmatar, fecundada por um pato marinho, após 700 anos de trabalho de parto: a lenda do “Boto” que chegou até a Amazônia); a epopéia germânica: Os Nibelungos (as princesas Brunilda e Cremilda). 12 mil anos atrás: início suposto (os fósseis não tem cor!) do surgimento da pele branca nas regiões glaciais da Europa. 6 mil anos: começa a história da civilização humana no Egito e, posteriormente, na Grécia. Método socrático: ironia e maiêutica.

 2 º Encontro (13/08/09): Mitologia – Atenas – Alexandria - Roma Mito e Realidade: “O mito é o nada que é tudo” (Fernando Pessoa: poema “Ulisses”) Divindades primordiais: Céu (Urano), Terra (Gaia), Eros (Amor) Uma massa original informe, chamada de Caos ou Ovo (conforme a religião órfica) teria se dividida em duas metades (Big Bang), separando o Céu da Terra. Originado do mesmo Ovo primordial, a divindade Eros, símbolo da atração universal, provoca a reunião do Céu e da Terra, transformando o Caosem Cosmos. Mitosemelhante ao andrógino (hermafrodito=o ser bissexuado)- Do casamento entre o Céu e a Terra nascem os Titãs, que são fechado no Tártaro pelo pai, medroso de perder o poder. Mas Saturno (Cronos = Tempo), ajudado pela mãe, corta as genitálias de Urano (do esperma caído no oceano nasce Vênus). Ao vencer o pai Urano, Cronos provoca a passagem da eternidade para a temporalidade. Mas Saturno, por sua vez, comete o mesmo pecado do pai, devorando os filhos ao nascerem. A irmã e esposa Cibele (Ceres = fertilidade) esconde um dos filhos, Zeus (Júpiter). Este cresce forte e valente e obriga o pai a vomitar os irmãos. Após 10 anos de luta, derrota Saturno e divide o Universo com os irmãos Netuno (o Mar) e Plutão (Hades = Inferno), ficando ele o dono absoluto do céu e da terra (complexo da autoridade), com sede no Olimpo (lugar utópico). De Júpiter nascem inúmeros filhos, sendo ele um paquerador incorrigível (peça de Plauto, Anfitrião (“Um deus dormiu lá em casa”). Com Alcmena teve Hércules, com Latona, Apolo e com Sêmele, Dioniso, o romano Baco, deus do vinho, com o apelido de ditirambo (“aquele que nasceu duas vezes”). Espírito apolíneo (cultura) vs espírito dionisíaco (instinto) : luz, ordem, razão, sociedade, em oposição à satisfação dos desejos individuais: Superego vs Id (libido); Classicismo X Romantismo. O mito fecunda a história (A Guerra de Tróia: séc. XII) e a arte (Ilíada e Odisséia: poemas épicos primitivos, atribuídos a Homero, séc.VIII). O motivo mítico: a rivalidade entre Hera (Juno: deusa do Poder); Atena (Minerva: deusa da Sabedoria e da guerra) e Afrodite (Vênus, deusa do Amor, mãe de Cupido) e o Pomo da Discórdia (Éris). O mito divino se mistura com o mito humano: sonho de Écuba, esposa de Priamo, rei de Tróia, quando grávida do 50º filho, sobre a destruição de Tróia. Julgamento de Páris e Rapto de Helena, esposa de Menelau, rei de Esparta e irmão do chefão Agamenão, rei de Micenas. Ulisses e o pacto de fidelidade (Penélope). Atenas (época de Péricles: séc. V): poesia épica, lírica e dramática; artes plásticas; jogos olímpicos; retórica e política (democracia); pensamento reflexivo: Sócrates (470-399): “Sei de nada saber”. No dizer de M.T.Cícero, Sócrates foi “o primeiro a fazer descer a filosofia do céu e a instalou nas cidades e a introduziu nos lares, obrigando-a a indagar acerca da vida e dos costumes, do bem e do mal”. Ele foi o criador da “autognose”, o conhecimento a partir de si próprio, pois o saber está dentro de nós, não vem de fora. Ele nos ensinou a pensar com a nossa própria cabeça, questionando a doxa, a opinião comum, que é enganosa, e legitimando o “paradoxo”, o pensamento que vai “além” do parecer, buscando uma verdade verdadeira. Por colocar em dúvida as crendices e os valores morais da época foi acusado de corruptor da juventude e condenado a tomar veneno, tornando-se o primeiro mártir do livre pensamento. Sua figura é comparada à de Jesus Cristo, também ele vítima de uma massa ignorante que se deixa influenciar por líderes fundamentalistas, contrários a qualquer forma de evolução. Método de ensino socrático: ironia (pergunta) e maiêutica (forçar a verdade a vir à luz). Exemplo do funcionamento: trecho da peça do comediógrafo grego Aristófanes, As Nuvens: “Um fazendeiro das vizinhanças (da escola de ceticismo, em Atenas) se sai com uma das habituais perguntas obtusas feitas pelos fiéis, como: se não há Zeus, quem manda a chuva para regar as plantações? Convidando o homem a utilizar sua cabeça por um segundo, Sócrates (o filósofo funciona como personagem da peça) destaca que, se Zeus pudesse fazer chover, poderia haver chuvas em céus sem nuvens. Como isso não acontece, deve ser mais sábio concluir que as nuvens são a causa da chuva. Tudo bem, diz o fazendeiro, mas então quem coloca as nuvens em posição? Certamente deve ser Zeus. Não, diz Sócrates, que explica os ventos e o calor. Bem, nesse caso, replica o velho rústico, de onde vêm os raios para punir os mentirosos e os que agem errado? Os raios, é gentilmente explicado a ele, não parecem discriminar justos e injustos. De fato, freqüentemente é noticiado que eles atingem os templos do próprio Zeus olímpico”. Isso é suficiente para derrotar o fazendeiro, embora ele depois abjure sua falta de reverência e queime a escola com Sócrates dentro. Platão (428-348): o mundo das idéias (o pai do Idealismo) O discípulo mais famoso de Sócrates foi Platão, um rico aristocrata, fundador da Academia (do nome do herói Academos, amigo do mestre), um parque de Atenas onde se juntavam, além dos esportistas, também pensadores, poetas e artistas. Platão começou sua atividade de filósofo questionando a democracia de Atenas que condenara à morte Sócrates, “o mais sábio e o mais justo de todos os homens”. Para o filósofo grego saber é “recordar” o que a alma sabia antes da encarnação. O mito da caverna serviria para entender o processo psicológico da aprendizagem, que se dá pela repetição e recordação: ninguém aprende pela primeira vez. Aristóteles (384-322): alma e corpo inseparáveis (Materialismo) Já Aristóteles constrói um sistema filosófico oposto ao do seu mestre Platão. Ele se recusa a aceitar qualquer raciocínio por hipótese, negando qualquer tipo de transcendência. Para ele nada existe além da natureza observável. As idéias das coisas estão na própria realidade, sendo percebidas pelo princípio da abstração, que separa o geral do particular. Por exemplo, a idéia de árvore está na própria árvore e não num outro mundo. Pela operação mental da abstração, posso distinguir o que é próprio de uma árvore específica (tamanho e cor das folhas, tipo de ramificação) do que é comum a todas as árvores (raiz, folha e tronco). O que é genérico me fornece a idéia da árvore, sem precisar recorrer a um mundo transcendental. O sistema filosófico de Aristóteles se baseia no “ilemorfismo” (ilê = matéria e morfê = forma), a conjunção da matéria com a forma, do corpo com a alma. Os dois elementos são distintos, mas inseparáveis. É como se fosse uma folha de papel: conseguimos distinguir uma face da outra, mas não é possível separar os dois lados. Epicuro (342-270): o culto do prazer (hedonismo) Carpe diem e in médio stat virtus: estas duas expressões do poeta latino Horácio, que se tornaram proverbiais, sintetizam o pensamento do seu mestre grego Epicuro. O que mais se aproxima da felicidade é conseguir alcançar o equilíbrio entre a privação e o excesso. Quanto à religião, também é famoso seu argumento: “Ou Deus pode e não quer evitar o mal: então não é bom; ou quer mas não pode: então não é onipotente. Em cada qual das duas hipóteses: ele não existe!” Alexandria: confluência entre a cultura grega, persa, egípcia e oriental (indiana) Alexandre, o Grande (356-323), filho de Felipe II da Macedônia, construiu um imenso império, dando origem ao Helenismo, a difusão da cultura grega para o mundo até então conhecido. Seu sucessor, Ptolomeu, o primeiro de uma longa dinastia (a que pertenceu Cláudio Ptolomeu, o grande astrônomo do séc.II d.C., que desenvolveu o sistema geocêntrico), construiu a famosa Biblioteca de Alexandria, que sofreu vários incêndios. Recentemente (1995) foi refeita por um arquiteto norueguês, abrigando cinco milhões de volumes: um disco gigantesco de 11 andares que se inclina para o mar Mediterrâneo. ROMA: a cidade eterna e o culto da esmola (panem et circenses) No séc.I a.C., o Império romano, que já conquistara quase todo o mundo conhecido, anexou também o Egito, após as guerras púnicas contra Cartago (Aníbal e Cipião), na costa africana (Tunísia), deslocando o eixo da cultura para a Itália. O Império Romano do Ocidente terminou em 476 d.C com a invasão dos bárbaros do Norte da Europa. As duas lendas sobre o nascimento de Roma: origem troiana (Eneida, de Virgílio) e latina (Marte e Réia Sílvia: ano de 753). Absorção da cultura grega pelos romanos. O poeta latino Horácio: Graecia capta ferum victorem vicit et artes intulit agresti Latio “A Grécia conquistada (pelas armas), por sua vez, conquistou (pela cultura) o bárbaro vencedor (o povo latino) e introduziu as artes no Lácio selvagem.”

 3º Encontro (20/08/09): Moisés: as Tábuas da Lei e o Judaísmo I - Moisés como Libertador do povo judeu, escravo dos egípcios, e construtor da Nacionalidade hebraica. Moisés viveu ao redor do séc. XIII, quase na metade do tempo entre a figura mítica de Abraão (séc.XX?) e a vinda de Cristo. Seus feitos remontam ao reinado do faraó Ramsés II (1298-1235), quando a cultura egípcia chega ao apogeu, quase ao mesmo tempo da Guerra de Tróia, que marca a origem da cultura grega. O núcleo histórico que sustenta os vários episódios lendários sobre a vida e os feitos de Moisés é a sujeição dos hebreus ao poderio egípcio. A história registra a presença de judeus no Egito, ao longo de várias dinastias de Faraós. Na parte baixa do rio Nilo, região rica e progressista, foram se instalando tribos de Israel, nômades em sua maioria ou provenientes dos arredores do monte Sinai, península desértica e montanhosa, nas proximidades do Mar Vermelho. A Bíblia narra que José, filho do patriarca Jacó (Israel), foi vendido por ismaelitas (também descendentes de Abraão, mas via a escrava egípcia Agar) a uma caravana de egípcios e chegou a ocupar funções importantes na corte de Ramsés II. Mas, com o Novo Império com sede em Tebas, o faraó ordenou uma limpeza étnica, expulsando todos os estrangeiros: “Lançareis ao rio todos os indivíduos do sexo masculino que nasceram dos hebreus” Moshé, que em hebraico, significa “retirado”, foi o nome dado a um recém-nascido da linhagem de Jacó, salvo por uma filha do faraó. A história de Moisés, retirado das águas de um rio, é pouco original, pois tem precedente (a lenda de Sargon, rei da Babilônia,2300 a.C, abandonado num cesto de vime nas águas do rio Eufrates) e subseqüente (a retirada do rio Tibre dos gêmeos, Rômulo e Remo, por uma loba, no séc. VIII a.C.). Adulto, Moisés, ao defender um hebreu chicoteado por egípcios, comete assassinato e foge para a cidade de Madian, onde se casa com a filha de um sacerdote. Enquanto apascentava o gado do sogro, teria recebido a primeira visão sobrenatural, que lhe conferia a missão de construir uma nacionalidade para os judeus: “Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó...vai, envio-te ao Faraó, para que tire do Egito o meu povo, os filhos de Israel” (Ex., 3). Moisés vai à corte do Faraó e revela ser o enviado do deus de Israel para salvar seu povo. O Faraó se recusa a prestar homenagem a Jeová e a situação dos hebreus no Egito se agrava, sendo tratados como escravos. Para obrigar os egípcios a libertar o povo hebreu, Deus envia ao Egito dez pragas. A última, o massacre dos inocentes, ainda hoje é lembrada pela Páscoa hebraica: por ordem divina, Moisés convoca os anciãos do povo de Israel para imolarem carneiros, embeber ramos de hissope (planta medicinal) no sangue e aspergir as ombreiras das portas dos israelitas, com o fim de poupá-los do genocídio que iria acontece, vingando o genocídio sofrido anteriormente pelos judeus (lei do talião: “olho por olho, dente por dente”): “No meio da noite, o Senhor matou todos os primogênitos do Egito...” (Ex.,11). Apavorado, o faraó, primeiro deixou partir, depois perseguiu os hebreus até o Mar Vermelho, onde se deu o milagre da secagem das águas até a passagem dos judeus. Logo em seguida, as águas se reuniram, afogando o exército egípcio. Enfim, os filhos de Israel chegam ao deserto do Sinai, onde se dá a revelação mais importante do Velho Testamento: o pacto de uma Nova Aliança entre Jeová e o povo de Moisés para conseguirem alcançar Canaã, a terra já prometida a Abraão, em troca da obediência ao Decálogo. II - Moisés como Legislador (As Tábuas da Lei e a doutrina moisaica) Dos Dez Mandamentos, os primeiros três (1º Eu sou teu único Deus: não farás ídolos; 2º não pronunciar em vão o nome do teu Senhor; 3º santificar o sábado) podem ser agrupados num único item, pois visam a submissão do homem à divindade, enquanto os outros sete estipulam as normas de vida dos homens entre si. O nome YHWH, “Javé”, com a variante Jeová, conforme atestam estudos recentes, já era conhecido na Babilônia, a partir do ano 2.000, portanto, muito antes de Moisés, talvez anterior até ao próprio Abraão. Este nome era tão sagrado que não devia ser pronunciado, sendo substituído pela palavra “Adonai” (Senhor). É lícito supor que Moisés não foi escolhido, mas foi ele a escolher essa divindade para conferir um padrão ético ao povo judaico. Na verdade, Moisés pregou uma monolatria e não um monoteísmo. Ele não negou a existência de outros deuses, mas ordenou que o culto externo fosse prestado somente ao deus adorado pelo patriarca Abraão. A idéia do monoteísmo, a existência de um deus único, irá tomar consistência mais tarde, na época dos Profetas. Não nomear o nome de Deus em vão não implica apenas na condenação da blasfêmia (ofensa a Deus pela palavra), do sacrilégio (por atos) ou de qualquer outro tipo de insulto à religião ou de ultraje a fé numa divindade, mas também na utilização do nome de Deus para impor ideologias ou conseguir bens materiais. Isso vale especialmente para igrejas ou seitas religiosas que se servem do nome de Deus para explorar a boa fé de seus seguidores, prometendo recompensas materiais ou espirituais em troca do pagamento de dízimos ou da exigência de doações. O 4º mandamento ordena honrar o pai e a mãe. Mais do que um preceito divino, trata-se de uma lei natural, desde que haja reciprocidade na relação de direitos e deveres entre pais e filhos. Os restantes seis mandamentos podem ser reduzidos a um só, ao 7º: Não Furtar, que se traduz no amor ao próximo. Com efeito, “não matar” (5º), quer dizer respeitar a vida do seu semelhante; “não cometer adultério” (6°) equivale a não desonrar a mulher do outro; “não dizer falso testemunho” (8°) é não faltar com a verdade, prejudicando um seu semelhante; o 9º retoma o 6°; e o último mandamento, bem abrangente, proíbe a cobiça de qualquer bem alheio. O preceito de não roubar, portanto, pode ser considerado o mandamento maior, que deveria sustentar a nossa vida social. Mais do que como ordem divina, deveria ser visto como necessidade básica do viver em sociedade, correspondente ao que o filósofo alemão Emanuel Kant chama de imperativo categórico: “não faça a outro o que não gostaria que fosse feito a ti”. Quem for educado a não roubar respeitará qualquer bem que não lhe pertença, privado ou público. A honestidade é o requisito básico para a construção de uma verdadeira cidadania. Se nossos políticos não roubassem tanto, se não houvesse corrupção e impunidade, o Eldorado estaria aqui na terra. Os dez mandamentos, como outras leis de Moisés que constituem a Torá hebraica, na sua essência, não é matéria original, nem coerente, portanto, não pode ser considerada de origem divina, por vários motivos: a) existência de coletâneas de lei semelhantes, anteriormente a Moisés (Código de Hamurábi, rei da Babilônia, 1793-1759; Livro dos Mortos do antigo Egito); b) a Torá hebraica é um complexo de leis (agrária, familiar, penal, ritual), oriundo de costumes milenares e de caráter teocrático, de forma que a transgressão de uma lei civil era considerada um pecado contra Deus, para cuja codificação se pressupõe um longo trabalho de desenvolvimento antes e depois de Moisés; c) a disseminação de normas éticas ao longo do Pentateuco e de outros livros, especialmente os didáticos (Jô, Salmos, Eclesiastes) prova que não houve “revelação” divina instantânea, diretamente dirigida a um Patriarca num tempo e num espaço delimitado; d) exemplo de contradições: “Eu, o Senhor, teu Deus, sou um Deus cioso que pune a iniquidade dos pais nos filhos, até à terceira e à quarta geração dos que Me ofendem” (Gênesis: 20, 5) Diferentemente, no Deuteronômio (24, 16) está escrito: “Os pais não serão mortos pela culpa dos filhos, nem os filhos pela culpa dos pais: cada um será morto por seu próprio pecado”. Em vista das citações acima, se, conforme afirmam rabinos e exegetas cristãos, Moisés é o autor dos dois Livros, é lícito perguntar qual dos dois textos bíblicos devemos considerar verdadeiro e, portanto, sagrado. Não seria mais lógico entender a “teofania” (aparição de Deus no Sinai) como imaginação, alucinação ou pretexto de Moisés para dar sustentação ideológica aos preceitos que se encontram no Decálogo? Se Moisés tivesse dito: “eu” ordeno que o povo adore um único deus, que não mate, roube ou peque contra a castidade, evidentemente, seu discurso não teria tido muita aceitação. Colocando Jeová como sujeito da enunciação, o Patriarca dava credibilidade ao seu discurso, pois seria a palavra de Deus e não do Homem. Esta é a postura ideológica comum a todos os “profetas”, os homens que fingiram ou realmente se sentiram inspirados por alguma divindade ao longo da história da humanidade. Se não fosse assim, ficaria difícil entender porque Deus privilegiaria o povo hebreu, confiando só a ele revelações sobrenaturais, em certa época e num determinado espaço, prejudicando os demais povos com a privação da luz e do socorro. III – O Patriarca Abraão e os mitos bíblicos anteriores a Moisés. A criação do mundo e do homem: Adão e o pecado original (ruptura do pacto entre Deus e o homem: este destinado a ficar na ignorância), com a conseqüente perda dos dons preternaturais. Fratricídio de Abel por Caim: preferência de Deus pela pecuária, è Sem èdesprezando a agricultura - Perversão e castigo pelo dilúvio: Noé  Abraão, com quem Jeová faz um Pacto de Aliança: sacrifício de Isaac e circuncisão, em troca da promessa de uma pátria(Canaã). Descendência de Abraão (calendário judaico com início em 5770): Jacó (Israel: judeus), Ismael (islamitas) e Jesus (cristãos)- IV – Os Profetas (depois de Moisés): do Êxodo à última Diáspora – Redação da Septuaginta – Judaísmo depois de Cristo. Samuel, sucessor de Moisés, é o último dos Profetas-Juízes, pois seu sucessor, Saul, abdicou da judicatura em favor da realeza, tornando-se o primeiro Rei de Israel. Sucedeu-lhe Salomão (970-931), que deu esplendor à cultura judaica, construindo o famoso Templo de Jerusalém (“fundamento de Shalem”, primitiva divindade da terra de Canaã). Mas os hebreus não resistiram às sucessivas invasões de babilônios, persas, macedônicos e romanos que, em 70 d.C., destruíram o segundo Templo de Jerusalém, provocando a última diáspora (dispersão). Textos do Antigo Testamento, escritos em hebraico ou aramaico, foram juntados e traduzidos para a língua grega por uma equipe de estudiosos a mando de Ptolomeu II, para enriquecer a famosa Biblioteca de Alexandria. O trabalho de edóctica e de tradução foi realizado entre 250 e 130, culminando na chamada “Versão dos Setenta” ou Septuaginta. O povo hebreu não reconheceu na figura de Jesus Cristo, pobre e crucificado, o tão esperado Messias, o enviado de Deus. Fiéis apenas à palavra dos Patriarcas e dos Profetas do Velho Testamento, os judeus, a partir do séc. II d. C., começam a compilação do Talmude, que vai se tornar a nova bíblia judaica. O “hebreu errante” só consegue uma pátria em 1947 por resolução da ONU, que lhe destina uma parte da Palestina, que continua em constante conflito. De um povo oprimido e ridicularizado surgiram (longe da briga étnica) gênios gigantescos no campo das ciências sociais (Marx), da indagação da psique humana (Freud) e da compreensão das leis do universo (Einstein).

 4º Encontro (27/08/09) - Cristo: o evangelho do amor e a religião do atraso. A figura humana de Jesus: quem escreveu os Evangelhos? A pessoa “divina” de Jesus Cristo continua sendo o enigma mais apaixonante da humanidade. A personalidade histórica que viveu na Palestina dois milênios atrás era realmente Filho de Deus? Os milagres a Ele atribuídos podem ser considerados verdadeiros? Efetivamente ressuscitou três dias após sua morte? Karen Armstrong: A Bíblia (Uma Biografia), Zahar, 2007. Freira irlandesa (1944...), aos 21 anos, abandonou o convento e foi estudar nos EUA e em Jerusalém, especializando-se nas religiões descendentes de Abraão. Recentemente, em 2005, Karen foi convidada para participar do projeto "Aliança das Civilizações", promovido pelas Nações Unidas com o fim de estabelecer um diálogo entre o Ocidente e o mundo islâmico. No livro A Bíblia, ela tenta distinguir a história do mito, apontando os autores, o tempo e o espaço em que foram escritos a Tora e os Evangelhos. Os livros do Novo Testamento, que a Igreja Católica passou a considerar como sagrados, pois pressupostamente redigidos sob inspiração divina, não foram escritos na época de Cristo, e sim posteriormente, quase no fim do primeiro século da era cristã. Depois de uma tradição oral de mais de meio século, Apóstolos (no sentido de “divulgadores” de doutrina) de Cristo começaram a registrar na língua grega ensinamentos e façanhas de Jesus (que falara em aramaico), conforme escutavam no meio do povo. Tomemos, como exemplo, o apóstolo São Paulo, cuja vida, como a de Jesus, está envolta na lenda: Saulo de Tarso (cidade da Turquia) teria sido um judeu culto e viajado, que teve a incumbência de lutar contra a incipiente religião dos cristãos. A caminho de Damasco, alguns anos após a morte de Jesus, teria recebido uma visão que o derrubou do cavalo. Convertido ao nascente cristianismo, desenvolveu uma grande atividade apostólica, sendo decapitado em Roma em 67. Karen diz: (Paulo) “escreveu cartas a seus conversos, respondendo às suas perguntas, exortando-os e explicando a fé. Paulo nem por um instante pensou que fazia uma “Escritura”; como estava convencido de que Jesus retornaria ainda durante a sua vida, nunca imaginou que as gerações futuras estudariam cuidadosamente suas epístolas” (e as achassem sagradas, acrescento eu!). O conjunto de escritos que compõe o Corpus Paulinum, a parte mais consistente da doutrina do Novo Testamento, foi compilado bem mais tarde por cristãos cultos, empenhados em fundamentar a féem Cristo. Paulonunca afirmou que Jesus era Deus, assim como Cristo nunca disse que ele era o Messias esperado pelos judeus. Aí está o grande erro de todas as religiões: a consagração do instante. Acontecimentos excepcionais, relacionados com realidades peculiares, são vistos como feitos milagrosos, expressões de uma vontade sobrenatural, que devem ser cultuados para sempre e em todos os lugares, fixados em dogmas, como verdades inquestionáveis. Mas, afinal, quem foi Ele? Acreditarem Jesus Cristocomo Filho de Deus encarnado é um ato de fé (para os muçulmanos Ele é mais um Profeta; para os Kardecistas, um Espírito reencarnado), mas sua existência como ser humano é um fato histórico incontestável. Além dos relatos bíblicos, temos testemunhos de escritores insuspeitos, gregos, latinos e hebraicos. Flávio Josefo (37-100), fariseu de Jerusalém, que escreveu As antiguidades judaicas, se refere a um Tiago como “o irmão de Jesus, que era chamado Cristo”. Josefo, considerado o historiador oficial dos judeus, afirma que estes, na época do Segundo Templo, se dividiam em vários grupos, que viviam em atritos entre si: macabeus, fariseus, saduceus, essênios. A este último clã teria pertencido Jesus, conforme a própria tradição cristã. Os essênios retiravam-se por um tempo no deserto, praticando vida ascética e vivendoem comunidades. Elesaboliram a propriedade privada, vestiam sempre de branco, eram vegetarianos, não contraíam núpcias, banhavam-se antes das refeições, praticavam o batismo por imersão nas águas fluviais. A proposta de um sistema de vida comunitário nos lembra a utopia da República de Platão, o filósofo grego que viveu uns dois séculos antes da seita judaica dos essênios. A biografia de Jesus tem muito a ver com a prática de vida e o ideal ético desta seita judaica: após uma infância e juventude dedicada aos estudos bíblicos (aos 12 anos discutia com os doutores da Lei, no Templo de Jerusalém), ele desaparece (é lícito pensar que se tenha refugiado no deserto para meditação, vivendo numa comunidade de essênios); aos 30 anos, retorna à vida da cidade, se submete ao ritual do batismo nas águas do rio Jordão e começa a liderar um movimento que pregava o desapego aos bens materiais, a lealdade ao grupo mais do que à própria família, a não violência, o perdão dos pecados, o amor ao próximo, a espera dos últimos dias do mundo. Sua figura carismática atrai especialmente pessoas humildes e necessitadas, doentes que lhe pedem socorro. Sua força espiritual é tão grande que consegue feitos considerados milagrosos, como recuperar a visão ou ressuscitar defuntos. Tais sucessos provocam a inveja da seita rival dos fariseus que instigam o povo contra ele, ao ponto de ser condenado e crucificado. Mas sua mensagem era muito maravilhosa para morrer com seu corpo. Os discípulos e algumas mulheres devotas acreditaram na sua ressureição, como ele havia anunciado, começando a divulgar sua doutrina. Embora ligado ao Velho Testamento, ele não veio ao mundo para libertar os judeus do jugo romano, mas para propor uma nova cosmovisão, substituindo a religião da rivalidade étnica pela fraternidade universal, o ódio pelo amor: “oferecer a outra face”, em lugar do “olho por olho, dente por dente”. O amor ao próximo é colocado como mandamento único, capaz de substituir todo o Decálogo de Moisés. 313 – “In hoc signo vinces”: o Imperador Constantino e o Edito de Milão Os romanos, ao tomarem ciência do nascimento de uma nova religião na Palestina, estavam dispostos a colocar no Panteão também o Chrestus dos hebreus, junto com as outras divindades gregas e egípcias, pois sempre prezaram a liberdade de culto. Mas se confrontaram com os cristãos face à pregação do monoteísmo, que queria acabar com suas divindades tradicionais, além de ameaçar seu domínio material, recusando-se a pagar impostos. Após mais de dois séculos de perseguição e de refúgio nas catacumbas, os cristãos conseguiram a permissão de praticar publicamente sua fé, pela conversão da futura Santa Helena, mãe do imperador Constantino, que teria recebido a visão da Cruz de Cristo, com a escrita “sob este símbolo tu vencerás”. 325: Concílio de Nicéia (atual Iznik, na Turquia): queima de arquivos! Estabelecimento do “cânone” dogmático da religião cristã, por decreto, e primeira queima de arquivos: destruição de textos considerados apócrifos ou gnósticos. Em nome de uma presumida “Autoridade Divina”, foram condenados à fogueira documentos que não estavam conforme idéias retrógradas e conveniências políticas. Felizmente, monges egípcios não obedeceram à ordem papal e guardaram códices de papiros dentro de urnas de argila e as enterraram na base de um penhasco, à margem do rio Nilo, e ali ficaram esquecidos e protegidos por mais de quinze séculos. Os manuscritos foram descobertos, por acaso, em 1945. Este achado incentivou pesquisas arqueológicas, que continuam em andamento, especialmente nas proximidades do Mar Morto. Ao todo, foram já encontrados 112 textos, de vários tamanhos, 52 referentes ao Antigo Testamento e 60 em relação ao Novo, inclusive os evangelhos de Judas e de Maria Madalena. 476: Queda do Império Romano do Ocidente e início da Era das Trevas na Europa. Do séc. V ao XI os países ocidentais, sob o signo do papado, entram num longo processo de hibernação, o centro de irradiação da cultura se deslocando para Bizâncio, que passa a se chamar Constantinopla e, mais tarde, após a dominação muçulmana, Istambul. Causas do declínio na Europa: 1) fechamento das escolas públicas; 2) falta de uma língua escrita; 3) isolamento pelo sistema de vida feudal; 4) bloqueio do mar mediterrâneo pelos árabes; 5) cosmovisão cristã: “moral de escravos”, no dizer do filósofo Nietzsche, pela projeção da felicidade num outro mundo. Ao redor de figuras históricas importantes surgiram cantos épicos que se transmitiram oralmente, só mais tarde fechados em poemas, de autoria anônima: Demanda do Santo Graal (Rei Artur: ciclo bretão, séc. V); Nibelungos (Sigfrido e Átila, séc. V); Chanson de Roland (Carlos Magno, ano 800); El Cantar de mio Cid (“Campeador”: Ruy Diaz +1099). Ano 1000: início das Cruzadas e das línguas românicas. A passagem do milênio sem acontecer o apocalipse preconizado infundiu um sopro de vida na Europa. Figura emblemática é Pedro Abelardo (1079-1142), lingüista, filósofo e teólogo francês, que se apaixona pela bela Heloisa, sobrinha de um rico cônego. A troca de cartas acerca deste amor proibido revela o início de uma nova era, quando começa a triunfar a paixão sexual e o espírito racional. Abelardo substitui o lema anterior, credo ut intelligam (“eu acredito para entender”) pelo intelligo ut credam (“quero entender para acreditar”). O primeiro passo importante da gradativa passagem da Idade Média para o Renascimento foram as Cruzadas, junto com o início das línguas românicas. O Papado de Roma, apesar do cisma de 1054, que separara a igreja cristã em Romana (ocidental) e Ortodoxa (oriental) reagiu ao ataque dos turcos, convocando todos os reis e príncipes cristãos da Europa para libertar a cidade de Jerusalém. Se, do ponto de vista militar, as seis Cruzadas, que se sucederam ao longo de quase dois séculos, não tiveram o resultado esperado, sua contribuição para o desenvolvimento econômico e cultural da Europa foi enorme. Ao romper o predomínio muçulmano na bacia do Mediterrâneo, abriam-se as portas para a troca de mercadorias e o intercâmbio cultural entre civilizações diferentes. Quem mais se beneficiou foram cidades marítimas italianas (Nápoles, Gênova, Veneza), banhadas pelos mares Tirreno e Adriático, que se tornaram as maiores potências econômicas da época medieval. As Cruzadas provocaram a primeira revolução comercial, estabelecendo uma ponte entre o Ocidente e o Levante. 1300: 1º Ano Santo (Jubileu de Roma): Divina Comédia O poeta florentino Dante Alighieri sonhou que, na Semana Santa de 1300, fizera uma viagem pelas três partes do mundo ultraterreno, conforme a crença da religião católica: Inferno (9 círculos), Purgatório (9 patamares) e Paraíso (9 céus). A descrição desta viagem é o conteúdo da Divina Comédia, poema dividido em três cânticos, cada cântico composto de 33 cantos, em estrofes de três versos. Configuração espacial: Lúcifer, derrotado por Deus, caiu no centro da terra (Jerusalém), formando uma profunda voragem, em forma de cone, onde viviam as almas danadas (Inferno); a terra empurrada formou, no outro hemisfério, uma montanha (Purgatório), encimada pelo Paraíso terrestre e pelo Céu estrelado (Empíreo). As almas dos antigos famosos e dos contemporâneos de Dante, pecadores e justos, estão distribuídas ao longo dos três cânticos, sofrendo ou gozando, conforme os méritos julgados pelo escritor de Florença. Altíssima poesia que sintetiza a cosmovisão do mundo medieval!

 5° Encontro (3/09) - Maomé: o Islamismo e a volta do terror O último Profeta “Deus deu a cada povo um profeta em sua própria língua” (Maomé) Maomé foi o grande líder que conseguiu despertar nos árabes uma consciência de nacionalidade, unificando tribos sob a bandeira de Alá, o nome árabe de Deus, equivalente ao Jeová de Moisés e ao deus Pai de Jesus Cristo. Infundiu no povo uma ideologia religiosa e patriótica, ao mesmo tempo, proclamando a mensagem de redenção do povo árabe, assim como fizera o profeta Moisés com relação aos judeus. O advento de Maomé, porém, não representa a invenção de uma nova religião, mas a “restauração” dos ensinamentos originais do Judaísmo e do Cristianismo, que tinham sido esquecidos ou estavam corrompidos, adaptando-os aos costumes tradicionais dos árabes. O sucesso do Islamismo, pois, deveu-se ao fracasso do Judaísmo e do Cristianismo. Após mais de seis séculos, a mensagem do amor e da fraternidade, ensinada por Jesus, não surtiu efeitos práticos. Portanto, conforme a mentalidade popular de depender de uma divindade, de um ídolo ou líder, urgia o nascimento de um novo Messias. Este seria Maomé, considerado pelos muçulmanos como o último Profeta. Ora, pensar que Deus o teria escolhido como ponto final da Revelação, sendo a pessoa em quem se condensasse toda a Verdade, per omnia saecula saeculorum, não é muita pretensão? Era de se esperar que, como a figura espiritual de Jesus superou a de Moisés, substituindo o Antigo pelo Novo Testamento, o Ódio pelo Amor, o novo profeta viesse, seis séculos depois, para aperfeiçoar ainda mais a mensagem de Cristo. Mas, o que aconteceu nas Arábias, foi um retrocesso, voltando-se à luta armada de tribos contra tribos. Maomé se colocou mais próximo de Moisés do que de Jesus Cristo. O profeta muçulmano continuou a velha tradição judaica de matar em nome de Deus e de usar as mulheres como escravas domésticas, destinadas apenas à cama, ao tanque e ao fogão. Enquanto Jesus tentou valorizar a figura da mulher, seus discípulos não deixaram de praticar o ancestral fanatismo machista. São Paulo, o mais inteligente e culto dos apóstolos, na Epístola aos Coríntios, manda as mulheres calarem a boca nas reuniões. Infelizmente, a frase do poeta latino Virgílio “os tempos mudam, e nós, com eles” parece não ter efeito aos ouvidos de judeus, muçulmanos e cristãos, mesmo depois do sucesso da Teoria da Evolução! Templo Caaba (“cubo”, onde está a Pedra Negra) Maomé é o nome português do árabe Muhammad, que nasceu ao redor do ano 570, na Meca, naquela época importante centro cultural e religioso da atual Arábia Saudita. Sua família pertencia a um clã que tomava conta do templo Caaba (”Cubo”), uma espécie de Panteon árabe, onde eram guardados vários ídolos e objetos sagrados, entre os quais a “Pedra Negra”. Para os geólogos trata-se apenas de um meteorito, mas a tradição árabe criou a lenda de um objeto sagrado que veio do Céu e caiu no Jardim do Paraíso. Deus teria dado esta pedra a Adão como sinal de perdão. Originariamente branco, o meteorito teria pretejado ao absorver os pecados dos homens. No segundo milênio antes de Cristo, o Arcanjo Gabriel (o mesmo que apareceu ao profeta Daniel, prevendo a futura vinda do Messias, à Virgem Maria, anunciando o nascimento de Jesus e a Maomé) teria dado a Pedra Negra ao patriarca Abraão. Este a teria levada para a Meca, junto com a escrava Agar e seu filho Ismael. Provavelmente, este mito foi inventado para eliminar a necessidade da vinda de Jesus Salvador e do batismo (em grego, “mergulho”) purificador do pecado original. O ponto crucial em que a doutrina islâmica supera a cristã se encontra na afirmação do princípio jurídico da intransferibilidade da culpa. A negação da transmissão do pecado de Adão talvez seja a melhor contribuição do Islamismo para a história das religiões, pois a herança coletiva da culpa ofende o sentimento de justiça. Na caverna do monte Hira Órfão de pai e mãe, Maomé foi criado por um avô e um tio que iniciaram o jovem pastor no ofício de comerciante, não recebendo escolaridade alguma e continuando analfabeto até sua morte. Durante uma viagem de negócios ao Iraque, perto da cidade de Basra (Bassora), um eremita cristão de nome Bahira, ao olhar para o jovem Maomé, teria dito que ele era o enviado de Deus que os judeus estavam aguardando. Com 25 anos, Maomé conheceu a rica viúva Cadija, 15 anos mais velha, com a qual se casou, mudando assim seu status social, passando de pobre para rico. Além desta esposa, ao longo de sua vida, teve mais 15 mulheres, todas elas viúvas abastadas, com exceção de Aicha, menina que tinha apenas 9 anos quando ficou noiva do Profeta. No ano de 610, tendo aproximadamente uns 40 anos, Maomé, numa noite, enquanto estava meditando, recolhido numa caverna do monte Hira, teve una visão. Conforme acreditou posteriomente, fora visitado pelo arcanjo Gabriel que lhe disse ser ele o escolhido como o último Profeta que Deus enviara à terra para salvar a humanidade. A visão o deixara em estado de transe, suando copiosamente. Pensou em alucinação ou em alguma possessão diabólica, mas a esposa Cadija o confortou e o levou a consultar o sábio cristão Waraqa, seu primo. Com a ajuda deste mestre, Maomé interpretou a visão como sendo uma experiência idêntica às vividas pelos profetas do Antigo Testamento e pelo próprio Jesus Cristo. Além da visão no monte Hira, ele teria tido várias outras, ao longo de sua vida, que lhe ministraram, paulatinamente, a doutrina posteiormente registrada no Corão (“recitação”), o livro sagrado da nova religião, o Islã (“submissão à vontade divina”), mesmo sentido do nome “muçulmano”.. Da Meca a Medina A partir do ano de 613, Maomé, encorajado por familiares e amigos, começou sua pregação, ganhando seguidores e opositores. Para escapar da perseguição, em 622, Maomé foi obrigado a abandonar sua cidade natal, emigrando para Hégira, nome da cidade que deu origem ao calendário lunar muçulmano, e Medina, onde chefiou a primeira comunidade islâmica, lutando contra tribos rivais. Vitorioso, voltou a Meca em 630, estabelecendo pactos de colaboração com várias tribos da Arábia. Sua morte é lendária: a crença mais comum é que o Profeta, acometido de um mal súbito, no ano de 632, ascendeu aos céus envolvido numa nuvem, a partir da Cúpula do Rochedo (que ainda não existia, pois foi construída pelo califa Abd al-Malik, em 691!), em Jerusalém (Maomé nunca foi lá!). Ele teria feito uma viagem noturna, visitando o Paraíso, onde teria se encontrado com os dois outros grandes Profetas que o precederam, Moisés e Jesus Cristo. O Islamismo no tempo e no espaço Com o falecimento de Maomé deu-se o mesmo que costuma acontecer com os grandes ídolos religiosos ou líderes políticos: nenhum dos seguidores tem o carisma do mestre para continuar sua obra. A briga pela sucessão de Maomé, logo de cara, originou uma crise que dividiu o Islã em vários califados, cada chefe considerando-se o legítimo sucessor do Profeta. Aponto apenas as duas facções historicamente adversas: os sunitas (de “suna” = caminho moderado), seguidores da doutrina original, e os xiitas, uma minoria filiada ao partido de Ali, marido de Fátima, filha de Maomé, ala extremista. Mas, apesar das lutas intestinas, o Islamismo, gradativamente, avançou por todo o Oriente Médio, conquistando Iraque, Palestina, Pérsia, Síria, Egito. Chegou também à Ìndia e à Europa, especialmente às regiões banhadas pelo mar Mediterrâneo (península ibérica, costa francesa e sul da Itália). A expansão islâmica foi se intensificando ao longo de dois séculos de uma forma incontesta, propiciando prosperidade econômica e renascimento cultural. Enquanto a Europa cristã continuava no atraso medieval, os descendentes de Maomé cultivavam filosofia, artes, ciências. Alfarabi (870-950) foi o primeiro grande filósofo do Islã, que escreveu tratados sobre metafísica e música. Avicena (980-1037), além de filósofo, foi também poeta e médico, conhecido por ter divulgado as obras do grego Galeno. Seu texto mais importante foi o Cânon da Medicina. Outro filósofo muçulmano, Averróis (1126-1198), tornou-se famoso pela tradução das obras de Aristóteles do grego para o latim. Mas o séc. XI já apresenta sinais da decadência do Islamismo. As Cruzadas quebram o domínio dos muçulmanos no Oriente Médio. Na Europa, o golpe final ao poderio islâmico se deu em 1492, quando o rei Fernando da Espanha derruba o califado de Granada. A partir de 1500, o mundo islâmico se dividiu em vários centros de civilização muçulmana, entre os quais se destacam a cultura árabe, com o predomínio do Egito, e o império otomano, na Turquia, cuja capital Constantinopla, tomada pelo turcos em 1453, passa a se chamar Istambul. Alcorão: sua compilação O Corão (ou Alcorão, pela aglutinação do artigo árabe “Al”: o sentido de nome é “recitação”) foi escrito por várias pessoas e ao longo de muito tempo. Maomé, por ser analfabeto, não escreveu nada. Quando em vida, recitava a parentes e discípulos letrados versos que teria ouvido durante suas visões, ao longo de duas décadas. Os amigos ouvintes registravam os ensinamentos do Profeta em folhas de tamareira, pedaços de pergaminho, omoplatas de camelos ou pedras de várias formas. Durante as noites de vigília do Ramadã, Maomé reunia seus discípulos e recapitulava o conteúdo de suas visões. Depois de seu falecimento, foi recolhido o material disperso que, junto com os relatos das pessoas que se lembravam das palavras do Mestre, passou a constituir o corpus básico da nova doutrina considerada sagrada pelos islamitas. A redação oficial do Corão, o texto fundamental, foi realizada, entre 650 e 656 (aproximadamente vinte anos após a morte de Maomé), durante o califado de Otman, que nomeou uma comissão para decidir o que deveria ser incluído ou excluído do texto final do Alcorão. Foi então constituído um "livro-referência" a partir do qual se criaram seis cópias que foram enviadas para Meca e outras cidades importantes. Outro texto que apresenta a doutrina muçulmana é o Hadith (Tradições), uma coletânea de ditos e decisões do Profeta, não registrados no Corão. Como é fácil perceber, o processo de composição da Escritura islâmica não é muito diferente da Escritura judaica, cristã e de outras religiões. Não são os Profetas (Moisés, Salomão, Buda ou Cristo) que escreveram os textos considerados sagrados, mas seus discípulos ou devotos, geralmente depois de uma longa tradição oral, que acaba mitificando acontecimentos e personalidades e apresentando variantes e contradições. A diferença é que, enquanto os textos bíblicos são constantemente submetidos a novas exegeses, na tentativa de dirimir as dúvidas e explicar as passagens contraditórias, o Alcorão está proibido de ser investigado para evitar que os muçulmanos tenham dúvidas e se afastem da féem Alá. Osdevotos do Islã se orgulham do Corão ser a única Escritura da história da humanidade que se tem preservada no texto original, sem mudar sequer uma vírgula. É preciso acreditar no que está escrito sem questionamentos, pois a palavra revelada a Maomé é “final e inalterável”, a última e definitiva “revelação” de Deus à humanidade. Os versos do livro sagrado nem sequer podem ser traduzidos. Por isso, todos os muçulmanos, independentemente de sua língua materna, recitam o Corão no árabe original. Nenhuma tradução poderia reproduzir o som das palavras que levam os devotos às lágrimas. Trata-se de uma sinfonia inimitável! A doutrina islâmica 1) Charia (fé) e Jihad (guerra santa) “Eu testemunho que não há outra divindade além de Alá e que Maomé é seu enviado”. Maomé retoma o discurso de Moisés, condenando o politeísmo: no templo Caaba, junto com a Pedra Negra, havia imagens de mais de 360 deuses, venerados por devotos locais e por chefes de caravanas que lá faziam ponto na passagem pela cidade. O Profeta deixa claro que a verdade está apenas no Corão, devendo-se rejeitar qualquer outra crença. A fé em Deus constitui uma organização social e pública, que afeta trabalhos, indústria, relações nacionais e internacionais. Não apenas os califas islamitas, mas os políticos fiéis de qualquer religião deveriam observar o seguinte mandamento de Maomé: “Quem confiar a uma pessoa um cargo público enquanto na sua sociedade houver outra melhor para desempenhar aquele cargo, atraiçoa a confiança nele depositada por Deus, pelo seu Mensageiro e pelos muçulmanos”. Inseparável da Charia (a fé islâmica) está a Jihad: a obrigação da Guerra Santa. A luta religiosa é um mandamento divino, pois o Corão obriga seus fiéis a difundir a fé em Alá pela ponta da espada sob pena de serem responsabilizados pelos pecados dos que não forem convertidos. As primeiras lutas sangrentas de Maomé contra seus perseguidores da Meca são explicáveis, pois se tratava de legítima defesa da liberdade de culto. Já a sede de sangue e do botim de guerra com que assaltaram outros povos para impor o credo muçulmano não tem a mesma motivação. Neste sentido, a religião apregoada por Maomé apresenta aspectos de fanatismo racista, como qualquer tipo de radicalismo ou de fundamentalismo. 2) Salat (oração) Na oração, o devoto de Maomé deveria encontrar uma lição de vida que lhe proporcione força moral e paz interior. Para tanto, é obrigatório rezar cinco vezes ao dia, com o rosto inclinado em direção ao Caaba da Meca. Ligado à oração, há o rito da ablução: lavar as mãos até o pulso, por três vezes, cruzando os dedos no decurso da lavagem, antes das orações; tomar banho completo após a relação sexual. 3) Zacat (esmola) Além de esmolas facultativas e ocasionais, há a contribuição obrigatória, chamada no Corão de Zacat. Ela purifica a alma do contribuinte e elimina do seu coração o egoísmo e a sede de riqueza. A percentagem mínima a ser paga é 2,5% sobre bens móveis e imóveis. Por ser proporcional aos rendimentos de cada muçulmano, a taxa funciona também como uma forma de diminuir a diferença entre as classes sociais. 4 Saum (jejum) Abstinência de comida, bebida, sexo e fumo, da alvorada ao pôr do sol, durante o Ramadã, o nono mês do ano islâmico. O jejum tem várias finalidades: mente clara para pensar e corpo leve para agir; espírito da igualdade de todos perante a lei; submissão à ordem e à disciplina; estímulo à poupança fazendo economias; renúncia aos interesses terrenos; regime para manter o corpo em forma. 5) Hadjdj (peregrinação a Meca) A Peregrinação a Meca para visitar o santuário do Caaba, depositário da Pedra Negra, e o lugar do sacrifício de Ismael, é uma convenção anual de Fé coletiva (no último mês do calendário islâmico) e individual (em qualquer outra época), obrigatória para todo muçulmano em condições físicas e econômicas. Maomé determinou que a Meca fosse o centro espiritual do Islã, como Jerusalém para os judeus e Roma para os cristãos.

 6º Encontro (dia 10/09) – O Renascimento da Europa: do Humanismo ao Iluminismo O termo “Renascimento” ou Renascença passou a indicar o ressurgimento da Europa após as longas trevas da Idade Média. Como se o homem, que viveu intensamente na era greco-romana, tivesse morrido, soterrado pela ideologia cristã, e depois voltasse a viver novamente. O Renascimento propriamente dito ocupa os séculos XV (Quatrocentos) e XVI (Quinhentos), tendo como centro de irradiação a península italiana (Florença e Roma) e como figura emblemática Leonardo da Vinci (1452-1519). Sábio e artista (pintor, escultor, arquiteto, poeta, matemático, físico, filósofo), foi definido como “o mais completo dos homens” de todos os tempos e lugares. Ele afirmou: "Aprender é a única coisa de que a mente nunca se cansa, nunca tem medo e nunca se arrepende". Sigmund Freud disse dele: “foi como um homem que acordou cedo demais na escuridão, enquanto os outros continuaram dormindo”. Leonardo é mundialmente conhecido pelo retrato, exposto no Louvre de Paris, “La Gioconda” ou Mona Lisa (conjunção de Amon e Ísis, divindades egípcias). Seu sorriso enigmático revela um pendor pela misoginia (o mito do hermafrodito), presente também numa outra obra famosa de Leonardo, A Última Ceia. O ficcionista Dan Brown, no romance O Código da Vinci, apresenta a tese de que a figura à direita de Jesus não seria o discípulo João, mas Maria Madalena, amante de Cristo. O Santo Graal, tanto decantado nas novelas de cavalaria da Idade Média, não seria o cálice da última ceia (que não aparece no quadro), mas o segredo do relacionamento amoroso entre Jesus e Madalena, a ser escondido a qualquer preço. Na realidade, Brown cria uma ficção (literária) sobre outra ficção (religiosa). A Renascença não é um movimento que surge ex abrupto (de repente) e conscientemente, mas vai se afirmando aos poucos e nos vários setores da vida social. O renascimento da Europa cresce na medida em que são removidas as causas do atraso medieval (de que já falamos) e se estabelece um contato com a cultura bizantina e muçulmana. A base ideológica da Renascença é o Humanismo pelo nascimento da consciência do “indivíduo”, cujos valores se tornaram mais importantes do que as instituições religiosas e o os textos sagrados. O antropocentrismo vai substituindo o teocentrismo, a razão sendo colocada antes da fé: Intelligo ut credam (“quero entender para acreditar”) contra: Credo ut intelligam (“eu acredito para entender”). Esta oposição foi colocada por Pedro Abelardo (1079-1142), considerado o primeiro humanista, sendo um linguista, filósofo e teólogo, que se tornou famoso pela sua trágica paixão pela bela Heloisa, moça sensível e inteligente, sobrinha de um rico cônego francês. A troca de cartas entre os infelizes amantes contém a mais bela história medieval de amor proibido, antecipando o drama shakespeariano de Romeu e Julieta. A segunda fase da Idade Média (do séc. XI ao XIV) é uma Pré-Renascença: começam a surgir a filosofia e as várias formas de arte, mas ainda sob a égide da religião cristã: catedrais de estilo gótico, pintura religiosa de Giotto. A Suma Filosófica de São Tomás de Aquino tenta adaptar o pensamento de Aristóteles à doutrina cristã. A poesia de Dante, de Petrarca, de São Francisco de Assis é arte maravilhosa, mas ainda ligada à espiritualidade católica. A verdadeira Renascença começa quando o centro de preocupação não é mais Deus, mas o Homem, a razão predominando sobre a fé. Tenta-se a reintegração do homem à natureza e à história. A felicidade é procurada nesta terra e não transferida para um hipotético mundo sobrenatural. Apontamos as principais características da Renascença propriamente dita: I) Cultura laica: busca de textos gregos e latinos escondidosem bibliotecas. Ocrítico e ficcionista italiano Umberto Eco, no romance O Nome da Rosa, que teve uma aclamada versão cinematográfica, faz uma reconstrução histórica da devassa numa biblioteca de um mosteiro medieval. Em 1327, um monge franciscano é encarregado de investigar sete mortes, ao longo de sete dias, que apresentavam línguas e dedos roxos, texto envenenados por folhearem uma obra proibida do filósofo grego Aristóteles. O texto desaparecido, intitulado “Sobre o riso”, pertenceria ao gênero da comédia, que tem por lema castigat ridendo mores: corrigir os costumes pelo ridículo. 2) Economia: as Cruzadas estimularam a troca de mercadorias na costa asiática, africana e no mediterrâneo, enriquecendo as cidades marítimas da Itália (Veneza, Gênoa, Nápoles). As grandes navegações e o descobrimento do continente americano (Cristóvão Colombo e Américo Vespucci) provocaram a Revolução Comercial, deslocando o eixo comercial do Mediterrâneo para o oceano Atlântico. Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões (1524-1580), é o poema que melhor trata do assunto: “Lá no largo oceano navegavam” O herói português Vasco da Gama conta a viagem em busca do caminho marítimo para a Índia, a chegada a Calicute, as transações comerciais e o retorno para Lisboa, em 1498. Além do narrador onisciente, há as falas de várias personagens. Apenas como exemplo, faço referência a dois episódios: Inês de Castro e o Velho do Restelo. A expressão popular “agora Inês é morta” está relacionada com o verso camoniano: “Aquela que depois de morta foi Rainha” Afonso IV mandou matar a jovem amante do Infante. Este, em 1355, assumindo o trono com o nome de Dom Pedro I (de Portugal) resgata a memória da amada. “Mas um velho de aspecto venerando” O Velho do Restelo contesta a importância das viagens marítimas frente à dor de viúvas e órfãos e o enfraquecimento do Reino de Portugal, manifestando a consciência crítica de Camões e os pontos de vistas divergentes, antecipando os heterônimos de Fernando Pessoa. 3) Ciência: Leonardo da Vinci, Copérnico, Galileu, Newton. Dos quatro maiores cientistas da Renascença, vou dizer algo apenas sobre Galileu, por falta de tempo e de espaço. O cientista italiano Galileo Galilei (1564-1642) foi sucessor do astrólogo polonês Nicolau Copérnico, que deu nome ao sistema heliocêntrico, e predecessor do físico inglês Isaac Newton, que descobriu a lei da gravidade (atração terrestre), ao se perguntar por que a maça caía da árvore, em lugar de ficar parada ou subir. Galileu construiu um poderoso telescópio confirmando, inventando e prevendo descobertas científicas. Escreveu numerosas obras sendo condenado pelo tribunal da Inquisição por heresia e obrigado a renunciar à verdade: “Eppur si muove” (“No entanto, se move!”). O quê? a Terra? Não, o candelabro da Catedral de Pisa! O dramaturgo Bertolt Brecht (1898-1956), na peça A Vida de Galileu tece o seguinte diálogo entre os dois principais personagens: André Sarti: “Desgraçado o país que não tem heróis” Galileu responde: “Desgraçado o país que necessita de heróis”! Um dos pensamentos mais profundo de Galileu se conecta à sabedoria da Grécia antiga, retomando o método socrático da autognose: “Você não pode ensinar nada a um homem; você pode apenas ajudá-lo a encontrar a resposta dentro dele mesmo.” 4) Filosofia: Descartes, Spinoza, Kant, Hegel Descartes (1596-1650): Cogito, ergo sum (“Penso, logo existo”) O estudioso francês René Descartes é conhecido também pelo nome latino Renatus Cartesius, de que resultou o nome italiano Cartesio e o adjetivo qualificativo “cartesiano”, no sentido de uma verdade clara e indiscutível. Ele operou uma revolução no campo da filosofia semelhante a que seus contemporâneos Copérnico e Galileu estavam realizando no mundo da astronomia (o heliocentrismo): como o centro do universo até então conhecido não era mais a terra, mas o sol, assim o conhecimento da realidade não residiria no mundo exterior, variável e enganador, mas no mundo interior, na mente que o pensa, na razão. Por isso, ele é considerado o pai do moderno Racionalismo. Spinoza (1632-1677): Deus é o próprio mundo Baruch Spinoza foi um judeu descendente dos primeiros israelitas da Espanha, expulsos da península ibérica e refugiados na hospitaleira e liberal Holanda. Estudou para ser rabino, mas chegou à conclusão de que as contradições encontradas nas Sagradas Escrituras eram provas da sua origem não divina. Acreditar em imaginárias revelações improcedentes e contraditórias se tornou incompatível com os conhecimentos que vinha adquirindo através do estudo da física, da matemática, da lógica, da astronomia e, especialmente, da filosofia. Galileu, Giordano Bruno e Descartes passaram a ser seus principais mestres. Para ele, o que chamamos de Deus é simplesmente a própria natureza em que essência e existência são uma coisa só, sem criador nem criatura. É a teoria da pura imanência, não existindo nenhuma divindade ou entidade sobrenatural. Nada transcende o mundo da realidade, o espírito não existindo fora da matéria. As normas éticas não fazem parte de um contrato explicito, exarado por um profeta ou um príncipe, mas são naturais, implícitas no próprio conceito de comunidade, que implica em direitos e deveres. Emanuel Kant (1724-1804): o imperativo categórico Quase todas as pesquisas do filósofo alemão foram direcionadas para descobrir os limites entre o mundo material (os sentidos) e espiritual (a razão). Entre as duas realidades há distinção, mas não separação. A alma se distingue do corpo, mas não existe sem ele. Na linha de Platão e de Descartes, Kant coloca a razão como o princípio fundamental do conhecimento humano, pois é só a partir do sujeito pensante que se constrói o mundo exterior. O saber vem de dentro para fora e não ao contrário, como pensam os cientistas. E, para superar o perigo do subjetivismo relativista, passa a admitir o caráter absoluto de certas formas de raciocínio. Ele postula a existência de uma alma livre, que possui uma vontade autônima. Só que a vontade individual deve ser submetida a uma lei natural proveniente de uma necessidade lógica: existe algo “apodítico”, no sentido de incontestável, válido para todos os homens, em qualquer tempo e em qualquer lugar, não dependendo de religião alguma, pois faz parte do próprio viverem sociedade. Estaordem natural Kant chama de “imperativo categórico”: agir conforme uma norma tal que você possa querer que se torne lei universal. Este princípio ético fundamental pode ser assim formulado: ”trate seu semelhante como você gostaria de ser tratado”! Tal conceito de Kant está de acordo com a essência da "regra de ouro", exposta de maneira semelhante pelos maiores profetas e filósofos da história da humanidade. Hegel (1770-1831): o idealismo dialético Friedrich Hegel retoma o pensamento de seu patrício Kant no projeto de pensar a vida pela oposição entre o mundo subjetivo e objetivo. Só que ele acrescenta um passo fundamental: encontra a “síntese” que engloba a tese do eu pensante com a antítese do mundo exterior. Formula, então, o processo que ele chama de “dialético”, constituído pelos três momentos: tese (proposta), antítese (oposição) e síntese (conjunção), que lembra as três proposições do silogismo dos filósofos pré-socráticos e da escolástica medieval (premissa maior e menor, seguidas da conclusão). O princípio dialético do procedimento por oposição e englobamento das oposições, exposto na sua obra máxima, A fenomenologia do espírito (1807), pode ser aplicado não apenas à teoria do conhecimento, mas também ao estudo da história e do avanço das várias civilizações. O que já fizera o napolitano Giambattista Vico, quase um século antes de Hegel, ao publicar a obra Princípios de uma nova ciência relativa à natureza comum das nações (1725), considerada o primeiro tratado de Filosofia da História. Nela, contestando o racionalismo de Descartes, Vico defendeu a tese de que o verdadeiro objeto do conhecimento não é a natureza, nem a razão, mas o mundo da cultura: o que o homem realmente cria e deixa para a posterioridade. Vico é o primeiro a utilizar o método triádico, chamado de “cursos e recursos históricos”. Para ele, a civilização passa por três estágios: idade “divina” (mítica, teológica ou infantil), idade “épica” (heróica ou juvenil) e “humana” (racional ou madura). Após o terceiro estágio, termina um ciclo e inicia uma nova etapa. Esta teoria explicaria, por exemplo, a volta à barbárie do Egito atual, após tantos séculos de civilização faraônica. Os Impérios, como todos os seres vivos, nascem, crescem e morrem ou se transformam. Veja, por exemplo, o que aconteceu na religião judaico-cristã: o Deus de Abrão era um tirano que exigia submissão incondicional a leis cruéis; Jesus veio para libertar os seres humanos dessa escravidão, mas as igrejas de papas, pastores, rabinos e aiatolás voltaram a exercer a antiga tirania. 5) Dom Quixote e a Novela de Cavalaria A obra literária que melhor retrata o mundo da cavalaria é El Engenioso Hidalgo Don Quijote dela Mancha, conhecida pelo título abreviado Dom Quixote. Seu autor é o espanhol Miguel de Cervantes Saavedra (1547-1616). O protagonista é o fidalgo Alonso Quijano, fanático leitor de livros de Cavalaria. A função do cavaleiro andante era transmitir notícias de um castelo para outro, tendo como ideal a defesa de viúvas, donzelas e crianças, além de promover a ordem e a justiça. Para por em prática tal ideal ele escolhe uma amada (Dulcinéia) e um escudeiro (Sancho Pança). Montado no cavalo Rocinante inicia suas aventuras. Pede a um taverneiro (“senhor do castelo”) que o consagre “cavaleiro”, perante duas prostitutas (“nobres donzelas”), lutando contra moinhos de ventos (“enormes gigantes”). Desenha-se a confusão entre o real e o ideal: “yo pienso y es así...deben de ser y son” O quixotesco “sonhar um sonho impossível” nos permite estabelecer um paralelismo entre a fantasia poética e a crença religiosa. Se o devoto pode acreditar na existência de um mundo sobrenatural, por que se contentar com as limitações da vida terrena? A arte, como a religião, prescinde de qualquer fundamentação lógica, colocando-se acima da filosofia, da história e da ciência. A figura de Dom Quixote se encontra eternizada na literatura, no teatro, no cinema, na escultura. 6) O Teatro de Shakespeare: “to be or not to be”! William Shakespeare (1564-1616) é o maior dramaturgo de todos os tempos. São atribuídas ao imortal gênio teatral da Inglaterra 38 peçase entre tragédias, comédias e dramas históricos. Viveu a cavaleiro entre o Renascimento e o Barroco, absorvendo, do primeiro movimento, a cultura greco-romana e, do segundo, a perplexidade espiritual causada pela oposição entre a herança pagã e a moral cristã. Dedicou sua vida inteira ao teatro, funcionando como autor, ator, diretor, empresário, cenógrafo. Sua peça mais famosa é Hamlet, Príncipe da Dinamarca. O drama começa quando o espectro do velho Rei Hamlet aparece nas ameias do castelo ao amigo Horácio e ao próprio filho, pedindo vingança, pois sua morte não fora natural, mas provocada pelo ciúme e pela ambição do irmão Cláudio, com a cumplicidade da rainha Gertrudes. Ele estava descansando uma tarde no jardim, quando um veneno mortífero foi instilado no seu ouvido. O Príncipe Hamlet já desconfiava da conduta indecorosa pelo imediato casamento da mãe com o tio, ao observar: “minha mãe fez uma grande economia, pois utilizara as flores do enterro para a festa do matrimônio”! A trama da peça gira em torno da vingança, mas o tema mais profundo é a dúvida e a perplexidade perante os acontecimentos humanos: aceitar pacificamente o ultraje e a injustiça ou rebelar-se e enfrentar as adversidades, retrucando com as mesmas armas da perfídia e da violência? Não seria melhor refugiar-se no esquecimento do sono, do sonho, da morte? O famoso verso com que inicia o monólogo de Hamlet “to be or not to be” (ser ou não ser) perpassa a peça toda. Lembro outra passagem: ao ver o tio Cláudio sozinho na capela, o Príncipe refreia o impulso da vingança, pois reflete que, se o matasse enquanto estava rezando, o mandaria para o céu. Aguarda, então, outro momento em que o tio estivesse bêbado e na gandaia, no estado de pecado, para matá-lo e o mandá-lo para o inferno. 7) Religião: Lutero e a Reforma Protestante - Contra-Reforma Católica. O fundador do Protestantismo foi o monge alemão Martinho Lutero (1483-1546). Sua tradução da Bíblia do latim para o alemão constitui o primeiro grande monumento literário em língua germânica. Aproveitando a descoberta da imprensa pelo seu patrício Gutenberg, Lutero possibilita a divulgação dos livros do Velho e do Novo Testamento. Desta forma, o conhecimento da Escritura considerada sagrada deixava de ser uma exclusividade dos clérigos e se tornava de domínio público, accessível a qualquer cristão alfabetizado. O historiador Marx Weber escreveu uma obra que, publicada em 1905, se tornou clássica: A Ética protestante e o espírito do Capitalismo, encontrando a causa do sucesso econômico dos povos do Norte da Europa e da América no culto à prosperidade. Mas outra tese, talvez mais convincente, sustenta que o fenômeno se explica pela queda do analfabetismo nos povos de religião protestante. É um fato incontestável que a riqueza dorme junto com a cultura! Vinha de longe a indignação dos povos anglo-saxões e escandinavos contra a prepotência e a corrupção da Igreja de Roma, que impunha pesados tributos. A reforma luterana, pois, não deixa de ter um substrato político e econômico. A gota d’água foi a campanha das indulgências dos pecados àqueles que contribuíssem monetariamente para a reconstrução da Basílica de São Pedro. Em 31 de outubro de 1517, Lutero afixou na porta de uma igreja suas 95 teses que questionavam princípios e práticas da Igreja Romana. Meditando sobre a frase do apóstolo Paulo “O justo viverá pela fé”, Lutero sente uma revelação interior que o leva a pensar que a fé não requer conhecimento ou certeza, mas uma rendição livre e uma aposta feliz na bondade não sentida e não experimentada de Deus. A Reforma luterana provocou rebeliões não apenas na Alemanha, mas também na Suíça (Calvinismo), na Inglaterra (Anglicanismo) e em outros países do Norte da Europa, que transcenderam o aspecto religioso, entrando no político e no social. O sucesso da Reforma protestante provocou a Contra-Reforma católica. A igreja de Roma, para enfrentar a disseminação das várias seitas protestantes, convocou um Concílio na cidade de Trento, que durou de1545 a1563. Os bispos dos vários países católicos fizeram uma revisão da doutrina cristã, reafirmando os dogmas tradicionais e impondo severas normas de moralidade. Ficou a cargo da ordem religiosa da Companhia de Jesus, que surgira na Espanha em 1534, chefiada por Santo Inácio de Loyola, contestar a doutrina dos protestantes, através do ensino religioso dirigido. Mas o Jesuitismo que assim nascia, embora posteriormente viesse a ter méritos inegáveis pela sua ação social e cultural, na época do barroco espanhol, sendo o braço forte da Contra-Reforma, foi acusado de crimes horríveis na tentativa de reprimir protestantes e outros hereges. Com o nome de Santo Ofício restaurou-se o antigo Tribunal da Inquisição, criado no começo do século XIII para reprimir dissidentes da doutrina ou da ética católica.

 7º Encontro (17/09): Iluminismo, Romantismo, Realismo, Espiritismo O Renascimento foi uma revolução cultural muito longa no tempo e esparsa no espaço. Começou na Itália na segunda fase da Idade Média e na primeira Renascença (séc. XIV, XV e XVI), se irradiou pela Espanha, Inglaterra e França, ao longo dos séc. XVII e XVIII), onde e quando os ideais de filósofos, cientistas e artistas anteriores se concretizaram na reviravolta política e social que foi a Revolução Francesa (1789). Chegamos, assim, ao Setecentos, a época do Iluminismo ou Ilustração, quando Paris se torna a “Cidade Luz” e se publica a grande Enciclopédia, o Estado se separa da Igreja, é abolida a Escravidão, nascem os regimes Constitucionais e a Democracia moderna, içando a bandeira da Liberdade, Igualdade e Fraternidade. I - Paris: Neoclassicismo – Enciclopédia - Revolução Francesa A volta à cultura greco-romana chegou ao ápice na França do Seiscentos, especialmente com o teatro de Corneille, Racine e Molière. O teórico Boileau fixou as normas da estética clássica, codificando o chamado “Neoclassicismo”, centrado nas regras da verossimilhança, decência, unidade de assunto, de tempo e de espaço. Mas o culto da tradição literária foi superado pelas várias idéias inovadoras no campo da filosofia, da ciência e da política. O desenvolvimento das ciências naturais e a reorganização da sociedade em bases estritamente racionais acabariam com muitos preconceitos religiosos. O liberalismo político atingiu a economia, graças aos trabalhos dos ingleses Adam Smith e John Stuart Mill. Apontamos as linhas-mestres da doutrina político-liberal: a) o regime democrático e a independência dos três poderes; b) o direito à propriedade e à liberdade de pensar e de agir; c) o livre jogo da concorrência nas relações comerciais (lei da oferta e da procura); d) a intervenção apenas reguladora do Estado para evitar abusos ou injustiças. O fruto deste novo pensar se cristalizou na elaboração da Enciclopédia (“Dicionário racional das ciências, das artes e das profissões”), que levou uma geração (de1751 a1766) para ser publicada, devido à ação repressora da censura eclesiástica. Colaboraram mais de 60 especialistas, sob a direção de Diderot e D’ Alembert, além dos três grandes escritores Montesquieu, Rousseau e Voltaire. Os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade preparam o advento da Revolução Francesa: em 14 de julho de 1789, pela tomada da Bastilha, acabou o Antigo Regime. Mas a França virou uma bagunça. Expoentes de várias correntes políticas entraram em lutas sangrentas pelo poder. Extremistas do partido de Robespierre exigiam a descristianização da França, confiscando os bens da Igreja. Os que eram contra o sistema monárquico queriam acabar com a nobreza e executaram o último Rei da França, Luís XVI, em1793. Agrande massa do povo, cansada de tanta desordem, ódio e derrame de sangue, começou a clamar por um regime forte, que lhe desse paz e segurança. O general Napoleão Bonaparte, ao voltar vitorioso do Egito, foi ao encontro deste anseio popular e derrotou o Diretório, o regime composto de cinco notáveis que governara até então. Após dez anos de Revolução, a França voltava ao cesarismo, pois Napoleão Bonaparte, logo após assumir o poder, se tornou Imperador e tentou subjugar outros povos. Mas a Revolução Francesa teve significativas repercussões no resto da Europa, sendo a matriz da chamada “Revolução de1848”, o ano em que deflagaram insurreições nas principais cidades européias: Londres, Berlim, Viena, Budapest, Nápoles. Uma grave crise econômica se aliou a motivos políticos e sociais na luta contra os governos absolutistas. O ideal predominante nos países europeus onde houve revolução não foi o liberalismo, mas sim o nacionalismo. Os revolucionários queriam libertar seus povos da dominação estrangeira imposta pelas decisões do Congresso de Viena (1815), após a queda de Napoleão, redesenhando o mapa da Europa, dividida entre as grandes potência (Rússia, Inglaterra, Áustria). A "primavera dos povos" - como ficou conhecida essa vaga revolucionária - marcou o despertar das nacionalidades (polonesa, dinamarquesa, alemã, italiana, tcheca, húngara, croata, romena), que exigiram dos impérios a concessão de suas autonomias. Mas, infelizmente, estas insurreições não tiveram o sucesso almejado, porque a burguesia não se posicionou do lado dos operários e dos camponeses. II – Fim da Escravidão: A conseqüência mais benéfica do Iluminismo foi a abolição da escravidão. O Parlamento inglês, em 1807, foi o primeiro governo a proibir o tráfico de escravos em todo o império britânico. É interessante notar que foi um regime laico a acabar com o instituto da escravidão, a maior vergonha do gênero humano, sempre tolerada por todas as igrejas. Até então a escravidão era considerada uma constante inerente à própria natureza humana, permitida por todos os governos laicos ou religiosos. Os escravos, pois, constituíram a principal força motriz de civilizações. Encontramos o sistema escravagista praticado no Egito dos Faraós, no Velho Testamento, nas póleis gregas, no Império Romano. Era de se esperar que a chegada de Jesus Cristo, o doce apóstolo do amor, pusesse fim a tal execrável instituição, mas foi um ledo engano. O Cristianismo tolerou a escravatura por mais de 18 séculos. Papa algum excomungou donos ou traficantes de seres humanos, como fazia com hereges, e menos ainda os condenou à morte na fogueira, como fez como a valente mocinha Joana D’ Arc. E a outra religião monoteísta, o Islamismo, não deixou por menos: a oitava sura do Corão manda fazer escravos todos os prisioneiros de guerra! A vergonha maior está no tráfico de escravos pelos três continentes: os navios vinham da Europa, apanhavam os escravos na África e os levavam para as Américas. Os negros escravizados não eram cativos de guerra, mas cidadãos livres, capturados a laço em seu próprio território por capatazes a serviço de comerciantes de escravos e colocados nos navios negreiros. No Brasil, esse comércio teve a mais longa duração, acrescida pela escravidão também de filhos e netos de negros, os afro-descendentes. Milhares de jovens africanos eram presos e conduzidos até os navios. Lá eram batizados (ironia ou hipocrisia?) e marcados com ferro em brasa, como se faz com o gado. Ao chegar aos portos brasileiros, eram leiloados no mercado público e submetidos a trabalhos desumanos. Castro Alves, o poeta romântico baiano, pelo seu poema O Navio negreiro, denuncia a degradação humana a que eram submetidos os africanos durante a travessia oceânica. Apesar de uma lei brasileira de 1850, que proibia o tráfico de escravos, o vergonhoso comércio ainda continuava em 1868, quando foi publicado o poema. Vale a pena transcrever alguns versos: “Era um sonho dantesco... o tombadilho Que das luzernas avermelha o brilho. Em sangue a se banhar... Negras mulheres, suspendendo às tetas Magras crianças, cujas bocas pretas Rega o sangue das mães: Outras moças, mas nuas e espantadas, No turbilhão de espectros arrastadas, Em ânsia e mágoa vãs! ... Se o velho arqueja, se no chão resvala, Ouvem-se gritos... o chicote estala... E o baque de um corpo ao mar... Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus, Se eu deliro... ou se é verdade Tanto horror perante os céus?!... Mais triste foi a destruição do sentimento de nacionalidade. Como precaução contra possíveis revoltas, logo que os capturados chegavam ao navio, os marinheiros eram instruídos a misturar as várias etnias africanas, formando grupos de línguas e costumes diferentes. Para se comunicarem entre si, todos eram obrigados a falar o português, a língua dos dominadores. Junto com a desagregação da pátria, havia também a disjunção familiar. Enquanto os trabalhadores dormiam em senzalas, que separavam os homens das mulheres, as escravas jovens e bonitas residiam na casa grande, servindo ao senhorio especialmente como objeto de prazer sexual. A desculturação se estendia também a rituais, costumes, hábitos alimentares, chegando-se a uma miscigenação de usos entre as três raças: indígena, africana e européia. As conseqüências do regime escravagista são ainda hoje visíveis. O gosto brasileiro pela feijoada e pelo forrô (for hall = “para todos”), por exemplo: a mistura do que restava nos pratos dos patrões era posto num tacho para saciar a fome dos escravos e a abertura do salão de baile para o povão, só após a dança do pessoal da casa grande. A herança de costumes pode até ser enriquecedora; ruim é a continuação da mentalidade social e econômica: o povo brasileiro, especialmente a maioria mais pobre, se acostumou a viver de esmolas do poder público ou privado, vendendo até seu voto em troca de favores. Em lugar de clamar pela justiça, o povo se contenta com a caridade. O panem et circenses dos antigos romanos hoje se transformou em bolsa família e futebol! III – Romantismo: mito do bom selvagem e sentimento de nacionalidade O Romantismo iniciou na França, mas teve seu apogeu na Inglaterra e na Alemanha, ao longo de um século: segunda metade do séc. XVIII e primeira do XIX. Seus pressupostos filosóficos e políticos podem ser encontrados no movimento iluminista: a afirmação dos direitos do indivíduo e a livre expressão da sensibilidade. Romantismo é sinônimo de liberdade em todos os sentidos: liberdade política, opondo-se a qualquer forma de absolutismo; religiosa, rejeitando todo tipo de dogmatismo; estética, contra as regras poéticas do Classicismo; social, contra a opressão das classes dominantes. Contra o espírito aristocrático da Renascença e do Iluminismo, o Romantismo prega a popularização da cultura, propondo uma nova maneira de sentir e de viver. O suíço Jean-Jacques Rousseau, filósofo e escritor de origem francês, conviveu com os maiores expoentes do Iluminismo e colaborou na Enciclopédia. Ele é considerado o precursor do Romantismo pela criação do mito do “bom selvagem”. Convencido de que o homem é bom por natureza, sendo o viver em sociedade a causa da sua degradação moral, passou a condenar o estudo das ciências e a prática das artes. Privilegiando o naturalismo, o primitivismo e os costumes indígenas, tornou-se um implacável crítico da organização social. Tanto que um seu opositor afirmou que, de tanto ouvir Rousseau exaltar a vida animal, dava vontade de “andar de quatro”. O absurdo de privilegiar o código da natureza contra o avanço civilizacional, propiciado pelo culto da ciência, da filosofia e das artes, só podia germinar numa mente dominada por preconceitos religiosos. Rousseau teve uma educação calvinista, que lhe impedia alcançar a verdade, que se encontra na constatação dos fatos históricos, irrecusáveis por qualquer inteligência não comprometida por idéias fixas. Apenas a ignorância ou a má-fé pode achar que há mais moralidade entre os homens primitivos do que nos civilizados. Os exemplos de selvageria entre tribos indígenas são inúmeros: astecas que arrancam o coração dos vencidos; índios norte-americanos que escalpam os perdedores; ancestrais que se alimentam de carne humana para se apossar da força dos vencidos. A meu ver, a importância de Rousseau reside mais no campo político, onde suas idéias foram frutíferas. Ele achava que a desigualdade entre os homens tinha como causa o Estado despótico e o acúmulo de riquezas nas mãos de poucos. Era preciso evitar a exploração do homem pelo homem. Propunha, então, para a formação de um Estado ideal, um acordo (Contrato Social) entre os cidadãos visando a cessação de direitos individuais em prol da coletividade, balanceando benefícios sociais com os deveres de cada um. Seus ideais foram retomados pelo revolucionário Robespierre e por Victor Hugo, o escritor mais prolífero do Romantismo francês (Os Miseráveis). O estudo do Romantismo leva à percepção de duas correntes principais. A “quietista” que se alimenta de sonho e de ilusões, idealizando a realidade (Musset, Lamartine, Keats (os chamados “lake’s poets”), o italiano Giacomo Leopardi, o norte-americano Edgar Allan Poe). A outra, “revolucionária”, que repudia o modelo burguês de vida, insurgindo-se contra qualquer tipo de autoritarismo e de obrigação social ou moral. A peça aloucada de o poeta alemão Klinger, Sturm und Drang (“Tempestade e Revolta”), publicada em 1776, colocou em xeque as normas estéticas do Neoclassicismo francês. O maior expoente do Romantismo e de toda a literatura alemã é Johann Wolfgang Goethe (1749-1832), considerado o poeta nacional da Alemanha. Ele se tornou famoso pela lenda do homem que vende sua alma ao diabo, exposta na peça Dr. Fausto. IV – Realismo (Positivismo, Determinismo, Materialismo) O fracasso da Revolução Francesa fez ruir os propugnados ideais de Liberdade, Fraternidade e Igualdade, enquanto a burguesia triunfante ia assentando suas bases sobre o egoísmo individual ou de grupos que possuíam o poder econômico. De outro lado, o avanço da Ciência criou a ilusão de que o homem pudesse resolver todos seus problemas sociais e existenciais pelo descobrimento das causas genéticas (raça), do condicionamento ambiental (meio) e das determinações temporais (característica da época). Nasce, assim, um novo culto, o da “sociolatria”, pelo qual os anseios dos indivíduos são sacrificados em prol do progresso da coletividade. Em oposição ao subjetivismo, ao idealismo e ao sentimentalismo dos românticos, a segunda metade do séc.XIX apresenta o complexo cultural do Materialismo, em suas várias formas de manifestação: objetivismo, evolucionismo, positivismo, determinismo, ateísmo. No mundo da Literatura, o movimento realista nos legou uma esplendorosa ficção em prosa: Flaubert, Balzac, Zola, Dostoievski, Eça de Queirós, Machado de Assis, Aluísio de Azevedo. V - Doutrina Espírita: Allan Kardec, Gandhi, Chico Xavier, O moderno Espiritismo ou “Kardecismo” pode ser considerado uma acoplagem do antigo Budismo (Sidarta Gautama, 560-480, o “iluminado” que retoma o primitivo Hinduísmo) e Platonismo com o Cristianismo e a Parapsicologia. Esta área de conhecimento, também chamada de Metapsíquica, a partir do final do séc. XIX, começa a estudar fenômenos que ultrapassam as leis conhecidas da natureza ou fogem da experiência comum. Seu fundador foi Allan Kardec (1804-1869). O fato extraordinário que motivou o professor francês foi o seguinte: em março de 1848, na cidade de Nova York, duas irmãs, Margareth e Katherine Fox, filhas de um pastor metodista, morando numa casa de madeira considerada mal-assombrada, passaram a ouvir estranhos ruídos. Incomodada, Katherine pediu que o “demônio” causador dos inexplicáveis ruídos repetisse as batidas que ela mesma ia produzindo. O espírito teria atendido ao pedido da moça, inaugurando, assim, uma espécie de “telégrafo espiritual”, concomitantemente à invenção do telégrafo elétrico pelo norte-americano Samuel F.B. Morse (1791-1872). Mediante a atividade de “médiuns” (meios, intermediários entre os espíritos e os homens), perguntas verbais e mesmo mentais dos vivos podiam ser respondidas por uma série de batidas em código por parte das almas dos mortos. A faculdade mediúnica podia ser exercida também por outros sentidos humanos (vista, tato, olfato), chegando também à escrita diretamente ditada pelos Espíritos (psicografia). Os fenômenos de comunicação com espíritos atraíram multidões e as irmãs médiuns ganharam muito dinheiro com isso, profissionalizando seus dotes. Houve investigações, desmentidos, confissões de fraude, seguidas de retratações, enfim, criou-se uma lenda sobre as irmãs Fox. Allan Kardec estudou as manifestações espíritas das irmãs norte-americanas e de outros médiuns, fenômenos paranormais (mesas girantes, levitação, telepatia) e, após uma série de experiências, passou a acreditar na existência das almas independentemente do corpo e da sua comunicação com as pessoas vivas. Então mudou seu nome de Hippolyte Léon Denizard Rivail por Allan Kardec, nome de uma encarnação anterior, e expôs sua doutrina, em forma de perguntas e respostas, na obra O Livros dos Espíritos (1857), cujos prolegômenos, capítulos e conclusão são assinados, entre outros Espíritos Superiores, por Sócrates, São João Evangelista, Santo Agostinho e Swedenborg (1688-1772), um visionário sueco que pregara a doutrina da Nova Jerusalém, segundo a qual o mundo invisível dos anjos e dos demônios influenciaria a nossa realidade cotidiana. O Espiritismo tem em comum com o Budismo os conceitos de karma, sansara e metempsicose: a vida humana é um elo de uma cadeia de vidas, o passado determinando o presente, que irá influir no futuro, conforme um processo de melhoramento (pelas boas ações) ou degradação (por ações ruins). Citando Allan Kardec, ao pé da letra: “Deixando o corpo, a alma reentra no mundo dos Espíritos, de onde havia saído, para retomar uma nova existência material, depois de um lapso de tempo mais ou menos longo, durante o qual permanece no estado de Espírito errante”. É evidente a aproximação com a teoria das “idéias”, entidades espirituais, puras e absolutas, preexistentes à conjunção com os corpos, substâncias materiais, temporárias e enganosas, conforme imaginadas pelo filósofo grego Platão. Budismo, platonismo e espiritismo comungam a idéia de que a vida neste planeta é uma prisão, um castigo por pecados cometidos numa vida anterior, o homem sendo expulso de outro mundo e exilado neste de cá. O moderno budismo tibetano, com centro no mosteiro de Dharamsala, no norte da Índia, domínio do líder espiritual Dalai Lama, e com filiais em vários outros países, prepara crianças para serem tulkus, “pequenos budas”. A regra para reconhecer um ser re-encarnado é submetê-lo a um teste para ver se lembra da vida anterior. Há muitas rixas entre os monges para promover um protegido à condição de pequeno Buda. Mohandas Gandhi é considerado o Jesus Cristo indiano. Alcunhado de Mahatma (a Grande Alma), Gandhi (1869-1948) é o mais moderno representante da espiritualidade hinduísta, relacionada com o posterior Budismo. De uma família indiana de classe média, estudou Direito em Londres, viveu por muitos anos na África do Sul, onde lutou contra o racismo da dominação britânica. Na sua obra Autonomia da Índia contesta o materialismo da civilização ocidental, propondo um ascetismo sem violência. Seu meio de ação inspirava-se no princípio do Satyagraha (reivindicação cívica da verdade). Para Gandhi, não pode existir paz verdadeira sem justiça social. Lutando contra qualquer tipo de violência e acreditando na possibilidade no desarmamento mundial e numa paz universal, passou à história como “o santo do século”, também chamado de novo Jesus Cristo por ter morrido pregando o amor entre os homens: foi assassinado por um extremista hindu.. A Doutrina Espírita comunga com o Cristianismo, além da crença num Deus transcendental, o conceito de moral fundamentado no amor ao próximo. Reafirma a regra universal de conduta que já se encontra no Código Hamurábi, nos mandamentos de Moisés e na legislação de todas as grandes religiões. Esta moral seria ensinada pelos Espíritos “superiores”, cuja função é recordar e complementar o que Jesus Cristo ensinou. Mas o kardecismo se distingue fundamentalmente do cristianismo pela negação da divindade de Jesus (Ele seria apenas o maior Espírito Superior reencarnado) e do apocalipse: a lei cósmica do plantio e da colheita, do prêmio às almas boas e do castigo aos maus, não se realiza no Juízo Final, mas através das várias encarnações neste mundo. Do ponto de vista filosófico ou científico, a doutrina espírita não tem nenhuma sustentação, pois nem a razão, nem a ciência conseguem atestar a existência das almas separadas dos corpos, neste mundo ou num outro. Quanto a fenômenos para-normais, atribuídos a forças mediúnicas, não porque a ciência ainda não consegue explicá-los completamente somos autorizados a admitir uma intervenção sobrenatural. É preciso lembrar que os gregos primitivos, não conhecendo a origem dos raios, pensavam que fossem setas de fogo de Júpiter, lançadas para punir os humanos faltosos! Acontece que o inconsciente pode levar algumas pessoas, dotadas de um alto grau de percepção (mediunidade), a fazer coisas extraordinárias, aparentemente até milagrosas, sem que a autoria tenha que ser atribuída a entidades sobrenaturais. Há indivíduos que, num estado alterado de consciência, dizem e fazem coisas inacreditáveis, chegando a manifestações de xenoglossia: falam linguagens estrangeiras, desconhecidas, arcaicas, nunca ouvidas antes por nenhuma pessoa presente. Fenômenos de animismo, assim como os milagres religiosos, são mistérios que a ciência ainda não conseguiu plenamente desvendar. Shakespeare já disse que “há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”, mas isso não nos autoriza a acreditar na existência de um mundo transcendental. Allan Kardec pode ser considerado mais um profeta, um homem que, num certo momento de sua vida, começou a se achar um “iluminado”, que veio ao mundo para salvar a humanidade. No capítulo VII da Introdução do seu Livro dos Espíritos, ele afirma: “Quando as crenças espirituais forem vulgarizadas, quando forem aceitas pelas massas e, a julgar pela rapidez com que elas se propagam, esse tempo não estaria longe, ocorrerá com ela o que ocorre com todas as idéias novas que encontraram oposição: os sábios se renderão à evidência”. Ora, depois de mais um século e meio, o Espiritismo ainda não se afirmou como ciência, não passando de uma crença semelhante ao antigo Budismo. O grande mérito de Allan Kardec foi o de que, diferentemente de outros profetas, como Moisés ou Maomé, não apelou pela violência para expandir seu credo, pregando o amor e o surgimento de uma fraternidade universal, respeitando o sentimento religioso de todas as etnias. No seu túmulo, lemos: “Nascer, viver, morrer, tornar a nascer e evoluir sempre. Esta é a lei” Lutar pela evolução do ser humano, estando sempre disposto a adequar a fé às novas conquistas da ciência, é um dos aspectos positivos (junto ao repúdio de qualquer forma de violência) que diferencia o Espiritismo das três grandes religiões monoteístas: Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, todas atreladas a dogmas fixos, imutáveis, impostos pelas autoridades eclesiásticas. No Brasil, onde 40 milhões de cidadãos declararam cultivar o Espiritismo, o mais célebre divulgador da Doutrina Espírita foi Francisco Cândido Xavier (1910-2002), médium de Uberaba-MG, vulgarmente conhecido por Chico Xavier. Ele publicou mais de 400 livros psicografados, entre os quais relevamos Queda e ascensão da Casa dos Benefícios. Esta obra, conforme a crença, foi-lhe ditada pelo espírito Bezerra de Menezes, que deu nome a vários hospitais psiquiátricos em muitas cidades do Brasil. Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti (1831-1900), nascido no Ceará e formado médico no Rio de Janeiro, proclamou sua adesão ao Espiritismo em 1875 e dedicou sua vida à assistência dos pobres, passando à história como o apóstolo da caridade. Além da sua função social, o Kardecismo no Brasil visa melhorar a vida interior de cada um. Independentemente da crença na existência de almas fora de um corpo, de sua transmigração e de sua comunicação com os seres vivos, o Livro dos Espíritos pode ser aceito como uma boa leitura de auto-ajuda.

 8º Encontro (dia 24/09): Darwin (evolução), Freud (sexualidade), Marx (economia) Considero Darwin, Freud e Marx os três gênios mais profundos que a humanidade produziu, pois operaram verdadeiras revoluções no campo respectivo de suas atividades: Darwin substituiu a crença bíblica da criação do mundo pela teoria da evolução genética; Freud pôs em evidência o papel fundamental do inconsciente e da sexualidade na formação da personalidade humana; Marx exaltou a força do trabalho para o progresso econômico e social. Eles deram origem a três teorias (Darwinismo, Freudismo e Marxismo) que muito contribuíram para a formação da sociedade moderna. Darwin: gênese e evolução da espécie humana. A viagem de pesquisa O cientista inglês Charles Darwin (1809-1882) realizou “A viagem de um naturalista ao redor do mundo” (nome de uma sua obra), a bordo do navio HMS Beagle (que deu nome a um canal perto da Terra do Fogo, no extremo sul do continente americano). Ao longo de cinco anos de viagem, pesquisando especialmente em ilhas e na costa da América do Sul, coletou mais de 230 toneladas de material orgânico (animais e vegetais exóticos). O estudo deste material o levou a formular a hipótese de que plantas, animais e seres humanos não haviam sido criados já plenamente formados, de uma única vez e por um ato divino, conforme a narração bíblica. Todas as entidades vivas desenvolveram-se aos poucos, durante um longo período de adaptação ao meio ambiente. Os gêneros e as espécies vegetais e animais, pois, não são fixos, mas em constante processo de mutação, lutando pela sobrevivência conforme a lei do mais forte. E o ser humano não foge a esta lei da evolução natural. Estava dada a largada para a mais apaixonante discussão entre os defensores da antiga teoria criacionista ou fixista, fundamentada na exegese bíblica, e os adeptos da teoria evolucionista, incrementada pelas descobertas das ciências naturais, especialmente da Biologia e da Genética. No Gênesis está escrito que Deus criou o mundo com apenas duas palavras: fiat lux e a claridade surgiu de repente do meio das trevas, as águas se separaram da terra e nasceram os peixes do mar e os animais terrestres e, enfim, o homem e a mulher, no prazo de seis dias, sem possibilidade de mistura entre seres de gêneros e espécies diferentes. Mas o avanço científico começou a demonstrar que as coisas não aconteceram bem assim, conforme o pensamento tradicional. Darwin substitui o fiat lux da crença na criação (o design divino) pela teoria da evolução natural, baseada no axioma natura non facit saltus (a natureza não dá pulos): a realidade física e biológica não é composta por compartimentos estanques, mas é um contínuo derivativo. As espécies distinguem-se pelas suas variedades em virtude de um longo processo de adaptação a ambientes diferentes e não por uma origem independente. Os evolucionistas passaram a sustentar a tese de que o princípio racional, que separa o homem da besta, não passa de um desenvolvimento automático e progressivo do cérebro, já implícito no instinto animal, que aumenta pelo acúmulo de experiências. Enfim, o homem seria um animal intelectualmente mais desenvolvido. É preciso salientar que Darwin chegou à formulação de sua teoria não de repente, por um estalo ou insight, como acontecera com a maioria dos profetas religiosos que tiveram “revelações” divinas (Moisés, Paulo de Tarso, Maomé etc.). Quando jovem, conforme a educação cristã recebida (estudara para clérigo), ele acreditava na existência de um Criador e no design inteligente. Mesmo durante sua viagem de pesquisa, especialmente nas ilhas Galápagos, ainda buscava conciliar o estudo da ciência com a celebração da beleza da natureza como obra de Deus. Somente após o retorno a Inglaterra, na medida em que ia examinando o material coletado, deu-se gradativamente sua conversão à verdade científica, objeto de uma obra portentosa, A Origem das Espécies (1859), que revolucionou o mundo, considerada a nova Bíblia. Diferentemente da religião, que se nutre de fantasias transmitidas de pais para filhos, a ciência repousa sobre fatos, cuja interpretação é submetida a longos testes de comprovação, antes de anunciar uma nova teoria. Após a publicação da Origem das Espécies, o público alfabetizado começou a duvidar da “sacralidade” dos textos bíblicos: o Pentateuco fora escrito realmente por um único autor e sob inspiração divina? Os Salmos de Davi e os Cânticos de Salomão expressavam a voz de Deus ou eram apenas tropos literários? Os episódios bíblicos eram fatos históricos ou apenas imaginação de fanáticos? E os milagres? Como acreditar que Jonas passasse três dias na barriga de uma baleia, saindo de lá ileso? Face à extrema improbabilidade de um milagre, a coerência não exigiria que rejeitássemos todos os outros: a transformação da água em vinho, a ressurreição dos mortos etc.? A tese da evolução A teoria da evolução, assim como apresentada por Darwin, pode ser resumida em três pontos fundamentais, ainda hoje objetos de discussões entre apoiadores entusiastas e oponentes denegridores: 1) os relatos da Bíblia foram escritos por homens, sem nenhuma intervenção divina, pois contradizem verdades históricas, leis naturais, raciocínio lógico, bom senso; 2) o ser humano, como as outras criaturas, não foi uma produção individualizada, feita pelas mãos de Deus, mas teve parentesco com primatas, chimpanzés ou gorilas, deles se diferenciando por um longo processo de evolução no tempo e no espaço; 3) o princípio evolucionista rege não apenas o ser humano, mas o Universo todo, bem maior e mais antigo do que se pensava: sua origem não remonta há apenas 60 mil anos, como erroneamente achavam astrólogos e teólogos daquela época. A genialidade de Darwin reside no fato dele ter aproveitado estudos anteriores e ter lançado as bases doutrinais de cientistas, filósofos, sociólogos e ambientalistas que continuaram sua obra revolucionária, estabelecendo, assim, uma ponte entre o passado e o futuro da ciência. Um biólogo seu contemporâneo exclamou: “Que imensa estupidez não ter pensado nisso antes!” Mais estúpido é quem, ainda hoje, continua não acreditando na teoria darwiniana, dois séculos depois dos estudos de tantos ilustres cientistas que confirmaram, no todo ou em parte, a tese da evolução cósmica e humana. Negar o princípio universal da evolução é ficar parado no tempo: e a fixidez é a morte! O problema é que o processo evolutivo, por ser muito lento, é quase imperceptível. O primata demorou milhões de anos para levantar as patas dianteiras, fazendo com que a cabeça olhasse para o alto, expandindo o horizonte de sua visão. Adquiriu a forma humana, mas ainda não alcançou um nível de inteligência capaz de separá-lo da animalidade. O homem, até hoje, continua vivendo conforme os instintos mais baixos, seguindo a lei da selva, o mais forte comendo o mais fraco, como demonstram as guerras étnicas, a violência no campo e na cidade, o capitalismo “selvagem”, a corrupção política, a injustiça social, o egoísmo característico dos seres primitivos e das crianças. Antes de Darwin: Lineu, Lamarck, Mendel, Malthus Vários estudiosos precederam a formulação da tese evolucionista: o sueco Carl Von Lineu (1707-1778), considerado o pai da Botânica, realizou a classificação de vegetais e animais em gêneros e espécie; o francês Jean-Baptiste Lamarck apresentara, em1809, atese da transmissão hereditária de caracteres adquiridos pela necessidade de adaptação ao meio ambiente (exemplo da girafa); o austríaco Gregor Mendel (1822-1884) é considerado o pai da Genética. Grande importância teve o trabalho de Thomas Robert Malthus (1766-1834), padre e economista inglês, autor do Ensaio sobre o princípio da população. Ele sustentou a tese da desproporção entre a produção de alimentos (que aumenta em progressão aritmética) e a população mundial (que se multiplica em progressão geométrica). Foi a leitura desta obra de Malthus, que Darwin ia fazendo ao longo de sua viagem, que lhe deu o insight para a descoberta da lei da seleção natural. Quando chegou às ilhas Galápagos e percebeu a grande abundância da fauna e da flora, refletiu que devia haver um limite para a multiplicação das espécies, sob pena de faltar alimentos para todos. Observando que os peixes maiores comiam os menores e as plantas mais robustas tinham mais sobrevivência, o cientista britânico deduziu que a pressão ao limite de crescimento demográfico era dada, de uma forma natural, pelo princípio de seleção: as espécies mais fortes e melhores adaptadas ao meio ambiente persistiam, enquanto as mais fracas estavam destinadas ao perecimento. No campo humano, segundo a teoria de Malthus, a seleção se daria por guerras, catástrofes ou epidemias: quando a desproporção ultrapassasse o limite de tolerância, a própria natureza criaria organismos de defesa. E, como bom religioso, para reduzir a alta e perigosa taxa de natalidade, Malthus aconselhou os homens, especialmente os mais pobres, a ajudar a natureza pela abstinência sexual. Mas, como não se pode ajudar a natureza indo contra a própria natureza, seu conselho não foi acatado. Homens e mulheres não pararam de transar e os habitantes da Terra chegaram, atualmente, a cerca de sete bilhões, aumentando a pobreza mundial. Como o preceito da castidade continua não vingando, as igrejas apelam para o assistencialismo, que melhora o nível da miséria sem, todavia, conseguir resolver o problema na sua raiz. Depois de Darwin: Evolucionismo vs Criacionismo (teoria do Big Bang) Darwin, ao confirmar a teoria evolucionista sobre as origens do cosmo e do homem, dera o passo decisivo para a derrubada da teoria criacionista, conforme o relato bíblico, que dera origem à tese do “design inteligente”, formulada pelo teólogo seu patrício, William Paley (1743-1805), ao apresentar o “argumento do relógio”: o funcionamento perfeito de seu mecanismo pressupõe um engenheiro construtor, um designer. Portanto, a perfeição do microcosmo e do macrocosmo exigiria a existência de uma mente inteligente, a que chamamos Deus. Anteriormente, o arcebispo de Armagh (Irlândia), James Ussher (1581-1656), conforme sua exegese dos livros bíblicos, chegara a afirmar que a Terra tinha sido criada às 9 horas da manhã do domingo dia 23 de Outubro de 4004 e, no dia 10 de novembro, do mesmo ano, Adão e Eva foram expulsos do Paraíso. Precisou ainda que a Arca de Noé parara no Monte Ararat (Turquia) no dia 5 de maio de 2348. Pela exatidão das datas, seus fiéis enalteceram sua sabedoria, dando credibilidade a sua tese. Que absurdo! Bem que o filósofo francês Ernest Renan (1823-1892) afirmara: “A unica coisa que nos dá a idéia do infinito é a imbecilidade humana!” É inconcebível que ainda hoje, não obstante o enorme progresso intelectual e científico da humanidade, há gente que acredita em relatos fantásticos, sem nenhuma consistência histórica ou lógica mental! Mesmo pessoas inteligentes e cultas fecham os olhos à verdade factual, achando preferível (pois mais cômodo ou confortável!) acreditar em Moisés, um pastor visionário de três milênios atrás, do que num cientista genial, como Darwin. Este demonstrou cientificamente que o homem, como o cosmo, não é fruto de um ato imediato e consciente, mas de um longo processo evolutivo. O universo e o homem não foram “criados”, já belos e prontos, por uma entidade sobrenatural, como continuam ensinando as várias doutrinas religiosas, mas foram frutos de uma longa evolução. Conforme as descobertas arqueológicas e genéticas mais recentes (de que já falei no nosso primeiro encontro), o Universo se formou há 13 bilhões de anos, os primeiros hominidas remontam a uns 5 bilhões de anos e o homo sapiens habitou a África há quase 200 mil anos, de lá se espalhando por outros continentes. A teoria da Evolução de Darwin, junto com a teoria da Relatividade, formulada recentemente por Einstein, constitui um dos grandes pilares de sustentação da nova ciência. As duas descobertas se encaixam na teoria geral do conhecimento, fundamentada no processo natural de início, meio e fim (nascimento, desenvolvimento e morte ou transformação). Este princípio dialético dos três momentos serve como base de conhecimento não somente das ciências, mas também das artes e até dos esportes. O princípio do mobilismo cósmico já se encontra expresso no famoso pantarei (“tudo corre”) do filósofo grego Heráclito, pela bela imagem do homem que não consegue banhar-se duas vezes nas mesmas águas de um rio. Este princípio é retomado pelo Intuicionismo do filósofo francês Henri Bergson e pela poesia de Manuel Bandeira: “Ser como o rio que deflui Silencioso dentro da noite. Não temer as trevas da noite” Na verdade, tudo é evolução e o progresso é sempre relativo ao tempo e ao espaço. Se, por exemplo, a gente observar os jogos olímpicos, vai confirmar a consistência dessa tese. As primeiras Olimpíadas foram criadas na Grécia com uma finalidade educativa e cívica. Fortificar o corpo, ter mais altura e correr mais era uma preparação indispensável para a defesa individual e coletiva, quando as póleis (cidades) lutavam uma contra a outra pela supremacia. Os jogos eram treinamentos para fugir de animais ferozes ou de inimigos (corrida), ultrapassar riacho (salto em distância), dominar as águas do mar ou de rios (natação), apanhar frutas das árvores (salto em altura), pular cercas (salto com vara), enfrentar o inimigo no corpo-a-corpo (luta greco-romana) ou com espadas (esgrima), aprender a cavalgar (hipismo). Mais tarde, com o avanço da civilização, nas Olimpíadas modernas as competições passaram a ter outras finalidades, desenvolvendo não apenas o físico, mas também a mente. O que acontece especialmente com os jogos com bolas: o drible no futebol, a deixadinha no vôlei, a passada no tênis, onde a inteligência vale mais do que a força bruta. Freud: psicanálise e sexualidade A estrutura da personalidade: Id, Ego, Superego. Sigmund Freud (1856-1939), médico e pesquisador austríaco, é considerado o pai da psicanálise, pois sua influência foi tão ampla no tempo e no espaço que é difícil imaginar como o homem entendia sua alma antes dele. Impulsos e paixões eram atribuídos ao corpo e considerados pecaminosos. Com a descoberta do Inconsciente, Freud conseguiu colocar a ciência no lugar da moral, procurando encontrar a causa remota e biopsíquica de distúrbios existenciais, neurológicos ou psicológicos. Vou tentar explicar as três camadas de consciência que compõem a estrutura da personalidade humana, comforme a teoria freudiana, vulgarizada pelos termos: 1) Id é um pronome neutro latino que significa “isso”, o que está aí, mas que não se vê, o impulso instintivo do indivíduo, que temos em comum com o animal, o infra-ego, (por baixo do eu consciente), chamado também de subconsciente ou pré-consciente. O Id, regido pelo princípio da libido (prazer), se apresenta incógnito e usa disfarces para enganar as pessoas e induzi-las a fazer coisas que a consciência repudia. Constitui a reserva inconsciente de impulsos e desejos, de origem genética, que têm a função de preservar e reproduzir a vida. O Id aflora em sonhos, em atos involuntários, no estado de embriaguez ou sob efeito de drogas. Seria o código natural. 2) Ego: o “eu” consciente, a parte da vida psíquica encastelada entre os desejos do Id e a repressão do Superego. É a instância da racionalidade que olha para a realidade e busca alcançar os objetos de desejo do Id, tentando não transgredir as exigências do Superego. Seria o código racional. 3) Superego: o terceiro agente da vida psíquica vai se formando aos poucos, a partir da primeira infância. Ele também surge ao nível do inconsciente, como o Id, mas em oposição a ele, pois não é de origem natural, mas cultural. O Superego se forma pela interiorização de normas éticas e sociais, provenientes da família, da escola, das crenças religiosas, do meio ambiente. Ele cria um eu “ideal”, formado sobre um conjunto de valores apenas desejados pela sociedade, mas não realmente ou plenamente vividos pelo indivíduo: fidelidade, honestidade, justiça, caridade etc. Pode ser considerado um vigilante atuando como juiz da moralidade necessária para a estabilidade social. Seria o código cultural. Um discípulo de Freud, C.G. Jung, fala de inconsciente “coletivo”, indo além do fator puramente genético. Ele chama “arquétipos” às experiências milenares da humanidade, transmitidas por mitos, lendas, contos de fada. É pela interação destes três níveis da psique humana que se forma a personalidade. O Ego, a camada consciente e racional, é constantemente bombardeado pelos dois lados opostos e conflitantes, pressionado pelos desejos insaciáveis do Id, de um lado, e pela severidade repressiva do Superego, do outro. O Superego censura os impulsos, especialmente os sexuais, que a sociedade e a cultura proíbem ao Id, impedindo o indivíduo de satisfazer plenamente seus instintos e desejos. Se o Ego se submeter ao Id, o homem torna-se imoral, perverso; se acatar as ordens do Superego, ele viverá numa insatisfação que o torna infeliz. A solução do impasse estaria, portanto, em adotar a filosofia do velho mestre Epicuro, que afirmara a felicidade residir no meio termo, no equilíbrio entre dois extremos. Mas agir como filósofo não é para qualquer um! Édipo: O mito que se torna complexo “Não tenha medo da cama de tua mãe: Quantas vezes em sonho um homem dorme com a mãe!” Esta fala é da personagem Jocasta, que dialoga com Édipo, na peça do grego Sófocles, Édipo Rei, que remonta ao século V a.C. Narra o mito que Jocasta, esposa de Laio, rei de Tebas, informada pelo oráculo de Delfos que o filho nascituro estava destinado a matar o pai e casar com a mãe, ordena que um serviçal desse fim ao bebê. Mas o criado fica com dó, abandonando Édipo (o “dos pés atados”, como se fosse um franguinho) no campo. Criado por pastores, o belo jovem, ao saber do oráculo, achando ser filho de Políbio e Peribéia, se afasta da casa dos pais putativos e, por ironia do destino, acaba indo à cidade de seus pais verdadeiros. Ao chegar a Tebas, numa encruzilhada, tem uma altercação com um senhor de idade e acaba matando o velho sem saber que Laio era o rei de Tebas e seu pai. Ao entrar na cidade, enfrenta a Esfinge, um monstro metade mulher e metade leão, que devora os estrangeiros que não conseguem desvendar o enigma: “Qual é o animal que tem quatro pés de manhã, dois ao meio-dia e três à tarde?”. Édipo responde: “é o homem”, pois na infância engatinha, depois anda com os dois pés e, quando velho, usa a bengala. Vencido o desafio, o forasteiro é acolhido como herói e, porque acabara de ser assassinado o rei Laio, é-lhe ofertada a bela viúva Jocasta em casamento. Édipo se torna cônjuge da rainha de Tebas, sem saber que era sua mãe natural, e com ela tem quatro filhos. Após longos anos de felicidade conjugal e de sábio governo, o rei tem que enfrentar uma terrível desgraça: a cidade de Tebas sofre de uma misteriosa epidemia que dizima homens e animais. Consultado o oráculo de Apolo, a resposta é de que a peste não cessaria enquanto o assassino do rei Laio ficasse impune. Édipo ordena, então, que se investigue o caso e o adivinho Tirésias esclarece que o culpado é o próprio rei. Perante tal monstruosa revelação, Jocasta se suicida e Édipo fura seus olhos e abandona a cidade. Freud acreditou que o mito de Édipo foi imaginado pelos gregos na tentativa de explicar a atração que o menino sente pela mãe, em cujo peito encontra a primeira fonte de alimento, segurança e prazer. Ao nível do subconsciente, além de ver no pai um rival na disputa do afeto materno, ele o culpa pelo pecado cometido. Pois, o mito narra que Laio, o pai de Édipo, durante a moçidade, seduziu e abandonou um jovem, que acabou se suicidando. O pai do rapaz, inconformado com a dor, rogou uma praga: que Laio nunca tivesse filhos ou, se tivesse algum, que ele fosse a causa da sua morte. O vaticínio se cumpriu: Édipo foi vítima da culpa do pai. Trata-se do pecado atávico, que se transmite de pai para filho, semelhante ao pecado original do Adão da mitologia judaica. No mito de Laio está evidente também a condenação do homossexualismo por ofender o instinto da perpetuação da espécie humana. No trabalho psicanalítico de Freud encontramos muita recorrência à cultura hebraica e grega: o próprio método de análise está baseado na maiêutica de Sócrates por utilizar o diálogo entre terapeuta e paciente. Karl Marx: a utopia comunista e a revolução bolchevique “Toda revolução começa com os idealistas e acaba com os tiranos” Já não lembro mais quem disse a frase acima, que reflete muito bem a trajetória da revolução comunista. Ela iniciou com jovens idealistas franceses e alemães, inconformados com os efeitos da revolução industrial, que tirara os homens do campo para serem explorados pelos donos de fábricas. Decênios de luta de trabalhadores, ligados à Internacional Socialista, contra os detentores do poder político e econômico foram coroados com o triunfo da revolução bolchevique. O movimento revolucionário terminou quando o povo russo não agüentou mais o despotismo sanguinário de dirigentes comunistas, pedindo uma nova ordem social. E isso aconteceu porque aos jovens idealistas Marx e Engels sucederam os tiranos Lênin e Stalin. No decorrer da Primeira Guerra Mundial, o sonho da instalação de um governo de regime comunista encontrou condições favoráveis na Rússia, o grande país do Leste europeu. O imperialismo czarista de Nicolau II tornou aguda a crise crônica da miséria social. As tropas descontentes, os camponeses famintos e os operários explorados se juntaram a intelectuais simpatizantes com os ideais do nascente marxismo, que pipocavam em países da Europa central. Em1917, aRevolução Comunista depôs o czar e implantou um “Estado operário e democrático”, com base nos seguintes princípios: separação da Igreja e do Estado; reforma agrária; igualdade entre homens e mulheres; controle das empresas pelos operários; nacionalização dos bancos. Para tanto, Lênin e Stalin reputaram indispensável silenciar os inimigos da classe operária, dando o primeiro passo para a construção de um Estado policial cruel e autoritário. Respondeu-se, portanto, à violência czarista com outra violência, a do regime comunista, que fez milhares de vítimas para se consolidar no poder. Observamos, de relance, que eliminar a memória do passado é condição essencial para a afirmação de qualquer modalidade de totalitarismo. Da mesma forma que a Igreja da Idade Média eliminou a antiga cultura greco-romana, o marxismo tentou apagar o passado religioso e cultural da Europa moderna, por um processo de lavagem cerebral. A vitória bélica sobre a Alemanha e a corrida espacial deram a Stalin enorme prestígio na Rússia e nas democracias populares anexadas à URSS. E a onda de repressão dentro e fora da União Soviética continuou até sua morte. A ele sucederam mais cinco chefes do Império Soviético: Kruchev, Brejnev, Andropov, Chernenko e Gorbachev. Este último, Secretário Geral de1985 a1991, face à crise econômica do regime comunista, tentou conciliar o sistema totalitário com as liberdades democráticas pelos processos da Glasnost (transparência), que permitia liberdade de expressão, e Perestróica (reestruturação), que adaptava o sistema econômico à nova realidade. O Comunismo no Leste europeu e a Guerra Fria chegavam ao fim. O símbolo da queda do regime comunista foi a derrubada do muro de Berlim (1989), que separava a parte rica da Alemanha democrática do lado miserável da Berlim oriental. Atualmente, o regime comunista ainda persiste em alguns países (China, Coréia do Norte, Cuba), mas com adaptações exigidas por novas realidades sociais. Marx e Engels: a origem dos movimentos sociais Karl Marx (1818-1883) é considerado o pai do Comunismo. Filósofo e sociólogo alemão, filho de um advogado judeu convertido ao protestantismo, desenvolveu uma intensa atividade social e política, estabelecendo contatos com trabalhadores militantes nas fileiras dos revoltosos contra a miséria em que vivia a classe popular nos países do centro da Europa, ainda dominada pelo Estado feudal prussiano. Decisiva foi a amizade de Marx com Friedrich Engels, filho do dono de uma fábrica de fiação em Manchester, na Inglaterra, que o ajudou na publicação do Manifesto do Partido Comunista (1848) e de O Capital (1867), a obra-prima que imortalizou Karl Max. Feurbach e o Materialismo dialético: “o homem é o que come”, Outra amizade fundamental na vida de Karl Marx foi com um aluno de Hegel, Ludwig Feuerbach, que o introduziu para o materialismo dialético e histórico. Feuerbach afirmou que seu mestre Hegel tinha descoberto o método certo para a indagação filosófica, o movimento dialético de tese, antítese e síntese, só que a verdade andava de cabeça para baixo, pois o conhecimento não está no mundo das idéias, mas na realidade cotidiana, caminhando de fora para dentro e não no sentido contrário. A dialética histórica nos incita a revermos o passado à luz do que está acontecendo no presente, ao mesmo tempo em que se questiona o momento atual com olhos postos no futuro. Na sua obra mestra, A essência do cristianismo (1841), o filósofo alemão dá a entender que a idéia de Deus está implícita no desenvolvimento da própria humanidade, não havendo nada que transcenda a realidade. Também o que chamamos de alma, espírito ou inteligência, é composto de átomos materiais. Feuerbach chega a afirmar que, por ser o alimento a nutrir os neurônios do nosso cérebro, a qualidade de nossa inteligência estaria relacionada com o tipo de comida. Seguindo as pegadas da doutrina materialista de Feuerbach, Marx passou a considerar a religião como uma forma de alienação, de que se serve a classe dominante para manter o povo subjugado. A prática de qualquer tipo de religiosidade é o sintoma de um sistema social enfermo, que precisa de remédios. A cura é colocada na crença na existência de outro mundo, sobrenatural, onde estão projetados os ideais de vida impossíveis de serem alcançados aqui na terra: a justiça, a bondade, o amor entre todos os homens, sem distinção de classes ou de cores. A religião, portanto, torna-se “o ópio do povo”, a droga indispensável para poder suportar todas as desgraças na Terra. O pior é que acaba com a esperança de um dia encontrarmos a salvação neste mundo! Pensamento econômico e político: Capitalismo e Comunismo Pela teoria do materialismo histórico, a consciência dos homens é determinada pela realidade social (e não o contrário, conforme a dialética subjetivista e idealista de Hegel). Quer dizer, é o conjunto dos meios de produção que constitui a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura política e jurídica, que forma uma determinada consciência social e moral. No sistema capitalista, o empregado vende ao proprietário dos meios de produção sua força de trabalho, que não deixa de ser ela também uma mercadoria, submetida à lei da concorrência (oferta e procura: quando há desemprego, o salário é mais baixo). Marx chama de “mais-valia” à diferença entre o valor produzido pelo trabalho e o salário pago ao trabalhador. A taxa da mais-valia exprime o grau de exploração do assalariado. Seguindo a lei natural do egoísmo individual ou de grupos econômicos, a tendência do empregador é aumentar a mais-valia, explorando o trabalho humano. Conseqüência disso é o acúmulo do capital de um lado e a miséria do trabalhador na outra ponta. A crítica mais profunda que Marx tece contra o sistema capitalista é a alienação dos trabalhadores. Estes não conseguem adquirir os bens que eles próprios produzem, sentindo-se estranhos a suas criações. Daí a necessidade da luta de classes, vista como a força motriz da história. Isto ocorre quando massas empobrecidas do proletariado entram em confronte com os poucos capitalistas que, possuindo os meios de produção, exploram a mão de obra, não pagando aos operários o justo preço do seu trabalho. Os donos das empresas embolsam a mais-valia como lucro, pagando aos trabalhadores o mínimo necessário para sua subsistência. O que configura a persistência do modelo social das épocas de escravidão, quando era praticada a caridade em lugar da justiça. Com a chegada do Comunismo ao poder na URSS, houve uma reviravolta (afirmação da antítese ao Capitalismo): o Estado passou a se hipertrofiar, matando a economia de mercado e a livre concorrência. De um lado, os burocratas do partido se enriqueciam às custas da grande massa trabalhadora, substituindo os antigos capitalistas; de outro lado, os operários que mais produziam se sentiam desestimulados pela igualdade da retribuição: pela lei natural do plantio e da colheita, quem mais produz deveria ganhar mais. A síntese entre os dois elementos opostos, Estado e Mercado, hoje em dia, está sendo procurada pelas nações mais desenvolvidas, que adotam o regime social democrata, também chamado de neoliberal, tentando conjugar a meritocracia com a justiça social.

 9º Encontro (01/10) – Séc. XX e Modernidade Antecedentes culturais: Existencialismo (Kierkegaard, Heidegger, Sartre, Schopenhauer, Nietzsche) – A Vanguarda na Europa e Modernismo no Brasil (Futurismo, Dadaísmo, Surrealismo, Cubismo) - Einstein, Kafka e Fernando Pessoa – Fundamentalismo e autoritarismo: abaixo ídolos e líderes – Contracultura: revolta de 1968 e filosofia hippie - “Pensamento alargado”: proposta de um Humanismo laico. Antecedentes Na segunda metade do séc. XIX, junto com a grande produção literária, assistimos ao florescimento de uma reflexão filosófica à margem das bitolas do racionalismo cartesiano, do idealismo hegeliano ou do positivismo científico. São pensadores independentes, preocupados mais com a compreensão da realidade cotidiana do que na construção de esquemas teóricos de raciocínio abstrato, ora exaltando a enorme potencialidade do ser humano, ora apresentando um profundo pessimismo existencial. E são eles a lançar os pressupostos ideológicos de comportamentos nacionais e sociais que irão predominar no Ocidente ao longo do século seguinte. Importante foi a corrente do Existencialismo que começou com Kierkegaard, continuou com Heidegger, chegando a Sartre. Sören Kierkegaard (1813-1855), filósofo da Dinamarca, foi o primeiro a relevar a importância do homem em si, como indivíduo, e não apenas como um simples elemento de um macrossistema especulativo, tipo racionalismo francês ou idealismo alemão. Ele trabalhou com a oposição entre essência (a natureza profunda das coisas, no plano ideal) e existência (o que existe, “está aí”, no plano da realidade). Deixando de lado as especulações sobre a essência de Deus ou a origem do Universo, preocupou-se com a problemática da existência humana, especialmente com o sentimento de culpa face ao livre arbítrio. Arthur Schopenhauer (1788-1860) intitulou sua obra principal O mundo como vontade e representação, em que desenvolve os dois conceitos que estão na base do seu pensamento filosófico: a vontade humana (o sujeito que pensa, sente e, sobretudo, “quer”) e o objeto do seu querer, que é a realidade exterior, vista em forma de representações ilusórias, que nunca satisfazem completamente nossos desejos existenciais. Seu conceito de vontade corresponde, mais ou menos, ao id freudiano, sendo um impulso de autopreservação, cego e insaciável, presente em qualquer tipo de natureza vegetal ou animal. Mas, para o ser racional, o “querer viver” é a raiz de todos os males, pois a insatisfação gera ansiedade e angústia. Para a superação deste profundo pessimismo, o filósofo alemão aponta três caminhos: o culto da arte, que propicia ao poeta, ao pintor ou ao músico o refúgio no mundo da fantasia, desligando-se da vida real; a prática da caridade e da piedade que nos afasta do egoísmo; a aniquilação da vontade pelo não-apego, em busca de um nirvana de tipo budista. Friedrich Nietzsche (1844-1900) deve ser considerado antes um crítico do que propriamente um filósofo, não tendo criado nem aderido a nenhum sistema de pensamento reflexivo, expressando-se por paradoxos ou aforismos. Professor de filologia, foi amigo de artistas, especialmente de músicos (Liszt e Wagner) e um grande apreciador da cultura grega (já falei de Nietzsche a respeito da oposição “apolíneo / dionsíaco”), embora ele achasse uma besteira o mundo das idéias de Platão, condenando qualquer formas de idealismo transcendental. Junto com a negação da metafísica, não acreditando em nenhuma realidade sobrenatural, Nietzsche ataca frontalmente o Cristianismo por considerá-lo culpado pelo atraso da civilização ocidental. Ele condena a ética cristã, chamando-la de “moral dos escravos”, pois subverte os valores reais da sociedade, considerando fortes os fracos, gloriosos os humildes, beatos os pobres, felizes os sofredores. Contrariamente ao espírito cristão, o pensador alemão exalta a vontade de potência, a aspiração ao sucesso, a satisfação dos desejos, o culto das artes e das ciências. Ao homem niilista da ideologia cristã, conformado com o sofrimento, Nietzsche contrapõe um “super-homem”, dominador das paixões, que emprega sua força para vencer qualquer obstáculo. Tal exaltação do humano foi interpretada erroneamente por fascistas e nazistas que confundiram o super homem filosófico nietzschiano com o “homem-superior” de raça ariana que Hitler, no seu delírio de dominação, considerava uma etnia pura, forte, invencível. A meu ver, a grande contribuição de Nietzsche reside na exaltação da vontade humana num sentido bem amplo, como oposição e superação de qualquer forma de determinismo biopsíquico, ambiental ou religioso. Super-homem é quem estuda, trabalha, pensa com sua própria cabeça e luta para construir um futuro feliz para si e sua família, e não quem se resigna com a pobreza e a ignorância, vivendo de esmola pública ou privada, ou esperando a salvação num imaginário mundo do além. Jean-Paul Sartre (1905-1980) leva as tendências do século anterior para a realidade do séc. XX: o Existencialismo de Kierkgaard e Heidegger, a Fenomenologia de Husserl, o Socialismo de Marx. Nascido em Paris, além de filósofo, foi dramaturgo, romancista, crítico de arte, político. Sua principal preocupação foi a análise dos problemas da existência humana, colocando sua vida de homem e de intelectual a serviço das causas proletárias, estudantis e da opressão das nações do terceiro mundo pelo capitalismo selvagem. Seu ódio contra a dominação capitalista o levou à recusa do Prêmio Nobel de Literatura, em 1964. Como também, de outro lado, criticara fortemente o desvirtuamento dos ideais marxistas quando o governo soviético mandou ocupar militarmente a Hungria, em 1956. As posições ideológicas do Sartre jovem sofreram alterações devido ao seu espírito aberto e às frustrações com seu engajamento político. No fim, seu lema passou a ser a liberdade em qualquer forma de atividade, considerando o homem responsável por tudo aquilo que é ou faz. Contesta, portanto, a tese do positivismo-determinismo, que sustentava a estreita dependência dos fatores do ambiente e da hereditariedade na formação da personalidade. O título de uma de suas obras mais importantes é significativo: O existencialismo é um humanismo. Um personagem de sua peça Entre quatro paredes afirma “o inferno são os outros”, expressão que resume a tese de que, sendo impossível o isolamento humano, um ser é posto frente ao outro, que lhe devolve a sua imagem verdadeira, como se fosse um espelho. Uma consciência que foge de suas responsabilidades terá que enfrentar outra consciência que denuncia sua hipocrisia. O sentimento da necessidade de participação do homem na sociedade é compartilhado por Simone de Beauvoir, a fiel companheira de Sartre: “não há uma só pegada do meu caminho que não passe pelo caminho do outro”. Vanguarda A partir do início do séc. XX, antes e durante as duas Guerras Mundiais, surgiram na Europa vários movimentos de renovação literária e artística. Embora diferentes nos vários países, quanto aos modos de manifestação, eles comungavam o mesmo espírito de “antipassadismo”. Apregoavam a ruptura contra toda a cultura do passado, especialmente as tradições acadêmicas de poetas e artistas românticos ou parnasianos. Os movimentos de renovação artística, transportados para o Brasil, passaram á história com o nome de Modernismo. “Moderno” é uma evolução fonética do latim hodiernus, adjetivo formado de hodie (hoje), qualificando o que é atual, com relação à pessoa que fala. Evidentemente, o que era moderno no ano passado, já não o é agora. O evento da “Semana de Arte Moderna” (fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo) deu oportunidade aos poetas e artistas brasileiros manifestarem as tendências estéticas da Vanguarda européia: o termo francês avant-gard é antônimo de “retaguarda”. A palavra “modernidade” deveria ser entendida, pois, apenas como sinônimo de atualidade, sendo impróprios os termos pré ou pós- moderno, que indicam, respectivamente, o passado e o futuro em relação à contemporaneidade. A rigor, o pré-moderno é o ontem, o moderno é o hoje, o pós-moderno é o amanhã! Futurismo Em 1909 saiu publicado no jornal Le Figaro de Paris o “Manifesto Futurista”, de autoria do poeta italiano Marinetti, que deu origem aos vários movimentos literários e artísticos da Vanguarda européia. A proposta era fazer tábua rasa do passado, construindo uma arte diferente, capaz de expressar a nova realidade da era da máquina. O Futurismo tinha a pretensão de acabar não apenas com o Humanismo (a cultura baseada na tradição filosófica e literária), mas também com o humanitarismo (o sentimento da piedade). Este pensamento de Marinetti explica bem sua postura mecanicista: “O sofrimento de um homem não é para nós mais interessante de que o sofrimento de uma lâmpada atingida pelo curto-circuito”. Expressionismo Na Alemanha, alguns pintores passaram a ser chamados “expressionistas”, pois entendiam a arte como expressão do “eu” subjetivo, operando de dentro para fora, do centro para a periferia, contrariamente ao “Impressionismo” da época realista, cuja estética estava baseada no movimento de fora para dentro. A estética expressionista passou também a ser utilizada em literatura, cinema, dança, música, teatro. Na poesia, o lirismo é dado pelas combinações rítmicas, os cortes surpreendentes, o jogo de imagens ousadas, sublimando o patético e exaltando as paixões. O processo técnico usado era a extrema liberdade léxica, sintática e semântica. Os temas mais explorados pelos poetas expressionistas são o sexo, visto por uma nova ótica moral; a crítica à sociedade, atacando autoritarismo e hipocrisia; a simpatia para com o mundo dos miseráveis e dos injustiçados. O movimento expressionista tem em comum com o Futurismo a disposição de demolir a cultura passada e criar um novo homem; mas dele se difere pelo pacifismo, pelo sentimento de fraternidade universal e pelo desprezo da civilização materialista e mecanizada. Por não aderir ao Nazismo foi por ele destruído, a partir de 1933, quando Hitler subiu ao poder. No Brasil, o Expressionismo marcou uma forte influência no teatro de Oswald de Andrade e de Nélson Rodrigues e na pintura: Portinari (especialmente as cinco telas da série Emigrantes), Osvaldo Goeldi, Emiliano Di Cavalcanti, Lasar Segall. Dadaísmo Durante a Primeira Guerra Mundial (1915-1918), surgiu na Suíça outro movimento de Vanguarda, ainda mais radical do que o Futurismo, chamado Dadaísmo, de “dá-dá”, as primeiras sílabas pronunciadas por uma criança, que não significam nada. É a ausência de sentido da vida que poetas e artistas querem expressar face aos horrores da guerra. É a rebelião da juventude contra os velhos detentores do poder, que usam os progressos da ciência para matar e destruir. Este sentimento de descrença nos valores humanos, junto com a vontade de anarquia, é expresso em forma de arte pela estética do acaso: a pintura automática, a poesia por colagem de recorte de jornais, a escultura pela mistura de materiais diversos. Os dadaístas ridicularizavam os valores tradicionais, convidando os visitantes de exposições a destruírem seus próprios quadros e outros objetos de arte, pois achavam que nada podia ter um valor eterno. Para demonstrar seu repúdio da concepção de vida burguesa, eles davam risadas durante os funerais e choravam nas cerimônias de casamento. O Dadaísmo representa a forma artística do niilismo filosófico, já presente no pessimismo de Schopenhauer. Surrealismo e Cubismo André Breton (1896-1966), filósofo, poeta, médico, soldado francês, saiu do movimento dadaísta quando percebeu que a postura niilista não levava a nada. Apaixonado pela psicanálise de Freud, achou que a crise existencial pudesse ser superada pelo encontro do meio termo entre o lado político ou real do ser humano e sua parte inconsciente, onírica. Chamou de “surrealismo” ao novo movimento por ele idealizado, que tinha como propósito anular as barreiras entre o sonho e a realidade. Para tanto, lançou mão do método do automatismo psíquico pelo qual o pensamento se liberta do controle exercido pela razão e por qualquer outro condicionamento de ordem religiosa, estética, ética ou social. Daí a exaltação do maravilhoso que se encontra no mundo do sonho e da fantasia ou nos estados psíquicos paranormais. A finalidade era fazer sair o surreal (a parte mais recôndita da alma) fora do seu esconderijo. É bom salientar que a proposta surrealista da superação dos limites da razão e da consciência humana é uma característica geral da cultura moderna e contemporânea, podendo ser encontrada na ciência, na filosofia e na arte. Está na geometria não euclidiana, na física quântica, na teoria da relatividade de Einstein, no intuicionismo de Bergson, na descoberta freudiana das forças do inconsciente. Está também no teatro de Antonin Artaud e de Pirandello, no cinema de Buñuel e de Rossellini, na poesia de Paul Éluard, Apollinaire e Fernando Pessoa, na crítica de Gaston Bachelard, na pintura de De Chirico, de Salvador Dali. Está especialmente nas telas de Pablo Picasso, o maior artista do século passado, o pai de outro movimento da vanguarda, o Cubismo. A nova técnica pictórica reproduz plasticamente a idéia de que a realidade não deve ser vista a partir de um único ângulo. A estética cubista faz ver “simultaneamente” aquilo que a visão normal só apresenta sucessivamente. Enquanto a pintura tradicional está centrada no impressionismo, procurando apreender a realidade “tal qual a vemos”, na sua aparência, através da nossa percepção limitada dos objetos, o Cubismo tenta apresentar a realidade “tal como ela é” na sua essência, em suas múltiplas facetas. Albert Einstein: a teoria da relatividade “A ciência é a tentativa de fazer com que a diversidade caótica da nossa experiência sensível corresponda a um sistema lógico uniforme de pensamento” A afirmação acima é de Albert Einstein (1879-1955), que levou até o campo das ciências a dúvida dos filósofos e a perplexidade dos artistas que inquietavam o espírito humano na primeira metade do século passado, negando qualquer forma de determinismo ou crença em verdades absolutas. Alemão, filho de judeus, educado num colégio católico, teve dificuldades na aprendizagem escolar e só de adulto revelou sua genialidade no domínio da matemática. Exerceu a humilde função de verificador de patentes no serviço público de Berna, até começar a publicar artigos revolucionários, que lhe fizerem merecer o Prêmio Nobel de Física, em 1921. Levou uma vida de viajante, estudando e ministrando palestras em várias cidades européias, até aceitar uma cátedra na Universidade de Princeton, naturalizando-se norte-americano, em1940. Aexpressão “tudo é relativo” tornou famoso Einstein, da mesma forma que outras frases imortalizaram outros autores: “Eppur si muove” (a terra gira), de Galileu; “o homem descende do macaco” (Darwin); “Freud explica”, com referência ao complexo edipiano; “a religião é o ópio do povo”, de Marx. São as marcas da genialidade, as verdades essenciais, que os grandes homens deixaram para a posteridade. Não tenho competência para explicar cientificamente a teoria da relatividade, nem a conhecida fórmula E= mc², sendo E a energia, m a massa e c a velocidade da luz. Muito menos entendo bem os princípios da física quântica que Einstein aprendeu de seu patrício Marx Planck. Limito-me apenas a afirmar que Einstein realizou uma revolução na concepção da categoria do Tempo, semelhante a que os cientistas renascentistas Copérnico e Galileu fizeram com relação ao Espaço. O Tempo não é visto mais como um valor absoluto, independente do Espaço, pois o cientista alemão demonstra que as duas categorias andam juntas. O grande achado de Einstein foi ter colocado o observador dentro da ciência natural para funcionar como perspectiva ou ponto de vista. O tempo, assim, é calculado a partir da posição de quem vê. Isso já vinha sendo feito intuitivamente na ficção literária. As narrativas de “fluxo de consciência” de Proust, Joyce, Virginia Woolf, Clarice Lispector, influenciadas pelo Intuicionismo do filósofo francês Henri Bergson e seu conceito de tempo como durée (duração), exploram o tempo interior ou psicológico. Este não segue a cronologia dos acontecimentos, mas as livres associações de idéias e sentimentos do narrador, misturando o presente com a recordação do passado e a imaginação do futuro. Para Einstein, também no mundo da física o tempo deixa de ser uma grandeza independente e objetiva para se tornar subjetiva, relativa ao observador. A imagem de uma estrela que dista anos-luz da terra não é a mesma daquela que chega ao telescópio do cientista, pois o modo de sua recepção é alterado pelo percurso realizado. Quer dizer, o observador vê a estrela como lhe aparece “agora” e não como era anteriomente. Vou dar um exemplo de fácil entendimento. Partindo do aeroporto de Auckland (Nova Zelândia), ao chegar a Buenos Aires (Argentina), via rota polar, olhando no meu relógio, pude perceber que chegara duas horas antes de ter saído de lá. E isso porque o vôo durou 12 horas, enquanto a diferença do fuso horário da Oceania é de 14 horas. Uma pessoa que viaja muito de trem ou de avião tem a sensação de viver mais do que aquele que não sai de casa, pois a multiplicidade dos espaços visitados parece alterar a noção do tempo. O princípio da relatividade está presente também no plano moral. Conforme sua etimologia, o morem (moral) latino, correspondente ao ethos (ética) grego, se refere a usos e costumes de povos ou grupos sociais, que variam no tempo e no espaço. O que é permitido agora e aqui pode ser proibido lá ou num outro tempo. Por exemplo, conforme a tradição de tribos de esquimós, que vivem a grande distância uma da outra, o dono da casa oferece ao visitante, além do teto e da comida, também a cama da esposa. E se ofende se o hospede não achar sua mulher atraente. O mandamento bíblico que proíbe desejar a mulher do próximo, nessa cultura, tem um valor invertido. Simplesmente, o esquimó oferece o que gostaria de receber, se estivesse na mesma situação do visitante. A hospitalidade é uma necessidade de sobrevivência, em lugares onde não há restaurantes, nem hotéis. Mas a assertiva “tudo é relativo” que se ouve por aí, pronunciada por aficionados entusiastas de Einstein, é verdadeira apenasem termos. Comotoda a regra, ela tem exceções. Há realidades de ordem matemática, física, biológica, histórica ou até ética que não são relativas, mas absolutas, pois verificáveis e logicamente incontestáveis. Tomemos, por exemplo, outro mandamento bíblico, “não furtarás”. Como já tentei explicar anteriormente, ao falar de Moisés e de Kant, esta é uma exigência moral absoluta, válida em qualquer tempo e em qualquer lugar onde se viveem sociedade. Orespeito ao que é do outro é um “imperativo categórico”, que constitui a base da vidaem comunidade. Senão aceitarmos este princípio como verdadeiro e absoluto, teríamos de ir viver na selva e não numa aldeia e muito menos numa cidade civilizada. O homem voltaria a seu estado primitivo de animal selvagem, sendo regido pela lei do mais forte. E também porque um relativismo total, admitido como valor absoluto, se negaria a si próprio, visto que a afirmação “tudo é relativo” é uma contradição em seus termos: se tudo é relativo, também a lei da relatividade deve ser considerada como relativa. Simples questão de lógica! Einstein, além de ser um cientista genial, foi também um pensador brilhante, que participou dos problemas de sua época, assumindo posições sobre assuntos palpitantes, tais como o Estado de Israel, o repúdio ao nazismo, o regime soviético, a luta contra a proliferação de armas nucleares, a existência de Deus. A este respeito, recentemente veio a público uma carta inédita dirigida ao filósofo e amigo Eric Gutkind, datada de 1954, ano anterior a sua morte,em que Einsteinconsidera qualquer prática religiosa como “infantil”, afirmando textualmente no seu manuscrito: “A palavra Deus é para mim nada mais do que expressão e produto da fraqueza humana”. Seu pensamento sobre religião aparece mais claramente numa entrevista concedida a jornalistas. Interrogado acerca de sua fé, ele responde: “Eu não acreditoem um Deuspessoal, e nunca neguei isso; ao contrário, o disse claramente. Assim, se há algo em mim que possa ser chamado de religioso é a ilimitada admiração pela estrutura do mundo na medida em que nossa ciência possa revelá-la... Eu não acredito na imortalidade do indivíduo, e considero que a ética é uma preocupação exclusivamente humana sem qualquer autoridade sobre-humana por trás dela”. (in Christopher Hitchens, Deus não é grande, pág.249). Tais declarações dão a impressão de contradizer algumas afirmações feitas anteriormente, quando, em plena atividade acadêmica, Einstein era obrigado a usar um discurso “politicamente correto”. Naquela época, a confissão de ateísmo era algo de execrável. Ainda hoje, não causa estranhamento alguém se professar judeu, budista, evangélico, muçulmano, católico, espírita ou homossexual. Mas coitado do homem que afirmar publicamente ser ateu: é olhado como se fosse um leproso. Nossa sociedade admite apenas a liberdade da crença, não da descrença! A modernidade na arte literária Os movimentos revolucionários do séc. XX atingem não só a filosofia e as ciências, mas também todas as formas de arte. Na Literatura, por falta de espaço, lembramos apenas duas figuras portentosas: Franz Kafka (1883-1924) e Fernando Pessoa (1888-1935). O autor de O Processo, O Castelo e Metamorfose é o fruto do cruzamento de quatro culturas: judaica, cristã, alemã e checa, pois ele nasceu de família judia, na cidade de Praga, de tradição católica e dominada pelo império germânico. Em suas obras, Kafka retrata o absurdo existencial, mostrando como os homens se reúnem em sociedades, criam instituições civis, militares e religiosas para sua proteção material e espiritual, e são essas mesmas instituições a esmagar os homens que as criaram. O adjetivo “kafkiano” passou a indicar o que é ilógico, estranho, apavorante, burocraticamente tortuoso. A singularidade de Fernando Pessoa está na representação artística da personalidade despedaçada, da plurifacetação do ser humano. A produção literária em versos do maior poeta de língua portuguesa traz quatro principais assinaturas, as de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, além de outras de autores menores. Quer dizer, são quatro grandes poetas num só ou um poeta que se divide em quatro personalidades distintas. É o fenômeno da “heteronímia”, que tanto caracteriza a poesia de Fernando Pessoa. Heterônimo significa, etimologicamente, “outro nome”, diferente de pseudônimo que é um falso nome. Os heterônimos foram concebidos como seres diferentes de seu autor, pois Fernando Pessoa não apenas assinou poemas com nomes fictícios, mas criou, junto com cada nome, uma personalidade humana e poética com biografia e visão do mundo específica. Essencialmente, a heteronímia é um desdobramento de personalidade: da aparente unidade intelectual e psíquica de Fernando Pessoa emanam e se substancializam diferentes modos de sentir o mundo e a poesia. Ele procura entender e botar para fora as diversas tendências humanas, filosóficas e artísticas que estavam confusas no seu espírito: “Multipliquei-me para me sentir, Para me sentir, precisei sentir tudo... E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente... Quebro a almaem pedaços Eem pessoas diversas”. Abaixo ídolos e líderes: fundamentalismo religioso e totalitarismo secular. A “modernidade” do século passado, embora tenha sido extremamente benigna à humanidade pelo progresso das ciências, de outro lado, deixou um lastro de violência nunca visto. Entre e depois as duas Guerras Mundiais (1914-19 e 1939-45), a história registra episódios de selvageria que envergonham qualquer ser inteligente ou sensível: a faxina étnica anti-semita do Holocausto nazista; o bombardeio atômico do Japão (ver o poema “A Rosa de Hiroxima”, de Vinicius de Morais); os horrendos campos de concentração na URSS, descritos no romance Arquipélago Gulag, de Alexandre Soljenitsin, prêmio Nobel em 1970. Entre os atos terroristas mais recentes, lembramos o brutal ataque aéreo suicida contra as duas torres gêmeas do World Trade Center de Nova York, que tornaram fatídico o 11 de setembro de 2001. Conforme posteriormente apurado pela Inteligência americana, o movente foi o cumprimento de uma intenção declarada da Al-Qaeda (rede terrorista), expressa na fatwa, ordem islâmica de 1998, emanada por Osama Bin Laden. Como a história mostra, Comunismo, Capitalismo e Fundamentalismo religioso, embora em nome de ideologias diferentes, comungam práticas semelhantes de violência, ofendendo o direito humano à vida, à liberdade, à justiça social, por egoísmo, interesse ou desejo sádico de escravizar os outros. O princípio do autoritarismo pode ser encontrado no começo da civilização, quando o homem cria o arquétipo do poder pelo mito de Júpiter, o deus que manda arbitrariamente no céu e na terra. O despotismo está nos patriarcas e profetas da Bíblia e do Corão, nas monarquias orientais da Índia e da China, nos Faraós egípcios e nos Imperadores romanos, nos caciques incas e astecas, nas cortes católicas da Idade Média. Está também na Genebra protestante de Calvino, no nazismo de Hitler, no fascismo de Mussolini, no comunismo de Stalin, na ditadura do Generalíssimo Franco, no regime islâmico do Irã, na Cuba de Fidel Castro, na prepotência dos Bush norte-americanos, no populismo de Lula, no dogmatismo papal. O que mais espanta não é a maldade ocasional e individual de algum líder político, religioso fanático ou psicopata qualquer, mas “a banalidade do mal”, conforme o célebre conceito da filósofa Hanna Arendt, visto que a crueldade é tolerada pela maioria que viveem sociedade. Recentemente, foram publicadas fotos de enfermeiras festejando o extermínio de judeus, homossexuais e deficientes físicos, no campo de concentração de Auschwitz, bem como de soldados norte-americanos que se divertem com jovens prisioneiras iraquianas, estuprando e seviciando seus corpos com cigarros acesos. Agora, como antigamente: afinal, não foi o consenso popular que obrigou Sócrates a tomar a cicuta e pregou Cristo na cruz? Contracultura Os horrores descritos acima, perpetrados a mando de líderes religiosos ou governantes seculares, volta e meia, provocam a crise dos ideais de justiça e de amor entre os povos, às vezes chegando a revoltas. Especialmente a juventude, idealista por natureza, tenta se rebelar contra as autoridades constituídas. O ano de 1968 se tornou famoso por revoltas no mundo todo. O estopim da insurreição foi a morte de Martin Luther King, ativista contra a segregação racial nos EUA, Prêmio Nobel da Paz em 1964, assassinado no dia 4 de abril por um branco racista. Estudantes universitários dos EUA e da França fizeram violentos protestos, especialmente contra a Guerra do Vietnã. Seguiram-se manifestações na Nigéria (luta separatista), no México (liberdades democráticas), na Tchecoslováquia (“Primavera de Praga”, contra a opressão comunista). Alguns estudiosos vêem Maio de 68 apenas como uma revolta estudantil, outros como uma revolução política, outros como uma reviravolta cultural. Na verdade, foi uma tentativa de uma radical transformação antropológica, que deve ser conectada com o surgimento do movimento hippie, visando uma nova visão do mundo, uma nova concepção do homem e da sociedade. Na década de 60, os hippies dos EUA começaram um movimento considerado “contracultura”, contestando qualquer tipo de guerra ou de violência, qualquer forma de autoritarismo, nacionalismo ou racismo. Norte-americanos adeptos de religiões orientais contemplativas (Hinduísmo e Budismo) começaram a viver em comunidades longe das cidades ou como nômades, no contato direto com a natureza, praticando um socialismo anarquista. Passou à história o festival de Woodstock, de15 a18 de agosto de 1969, numa fazenda perto de Nova York. O movimento hippie surgiu como contestação dos valores tradicionais da classe média americana, sustentados pelo sistema econômico do capitalismo totalitarista e consumista. Os hippies passaram a negar a legitimidade do governo, do militarismo, dos monopólios da indústria e do comércio. Recusaram a massificação em nome da afirmação da individualidade, não seguindo moda alguma, vestindo cada qual a seu modo, de forma extravagante. Algumas expressões da filosofia de vida hippie se tornaram famosas: “Façam amor, não façam a guerra”; “Façam sexo, não façam crianças”; “Faça o que você quiser, desde que não faça mal a ninguém”; “Sua liberdade termina onde começa a liberdade do outro”; “é proibido proibir”. E aqui vai a pergunta: por que uma filosofia de vida tão verdadeira não teve sucesso? Minha resposta: porque faltou acrescentar mais uma palavrinha ao binômio “Paz e Amor”. Faltou a palavra “Trabalho”: os hippies, em lugar de produzirem bens para a sociedade, passavam a maioria do tempo num “dolce far niente”, consumindo drogas. De forma semelhante aos religiosos que viviam apenas de contemplação e de rezas, eles não perceberam a contradição e o lado egoísta de sua escolha: dependiam daquilo que desprezavam, pois se alimentavam dos bens produzidos pelas pessoas que trabalhavam. É evidente que, se viver como homens é viver na companhia de outros homens, isto implica num intercãmbio de atividades úteis e na limitação da liberdade individual. Pensamento alargado Na última década, trabalhos sobre filosofia estão tentando superar o lugar-comum de que ela seja uma matéria abstrata, apenas de interesse de poucas mentes privilegiadas. A filosofia está sendo vista agora como uma alternativa ou complementação de outras disciplinas preocupadas com o bem-estar do homem, como indivíduo e como cidadão, a par da sociologia, psicologia, antropologia, política. Sobretudo, como substituta da Religião, apresentando uma resposta diferente, se não contrária, ao que as várias crenças até agora vieram pregando, sem êxito algum. Basta refletir sobre o fato de que após três mil anos de Judaísmo, dois mil de Cristianismo, 1400 de Islamismo e 500 de Protestantismo o convívio social não melhorou muito. Se tantas rezas não valeram até agora, por que não tentarmos outro caminho? O filósofo francês Luc Ferry chama de “pensamento alargado”, ao novo modo de responder à questão do sentido da vida. O problema central a ser resolvido é a resposta à questão da salvação, face à finitude do ser humano e a sua impotência perante a dor e a morte. Apavora-nos o never more (“nunca mais”), o famoso estribilho do poema O Corvo, de Edgar Allan Poe, pois a morte representa o fim, o irreversível, o que não volta mais. O ser humano não se conforma com isso, em dividir com as outras criaturas, animais e vegetais, o mesmo triste destino do fim da existência. Aí ele inventa outro mundo, espiritual, povoado por divindades que lhe prometem a sobrevivência da alma, a parte do seu ser considerada imortal. Tudo muito bonito e fácil, pois os deuses, inventados pelas religiões, exigem do homem apenas um ato de humildade: se acreditar em Deus, ele te salvará! Só que, até agora, pelo visto, Ele não salvou ninguém. Muito pelo contrário, as pessoas que mais rezam, são as que mais sofrem e o mundo sobrenatural existe apenas na cabeça de gente crédula, que tem preguiça de pensar, deixando-se levar pela conversa de líderes carismáticos. A filosofia, diferentemente, responde ao problema buscando a salvação em nós mesmos e não em entidades transcendentais, num “Outro”, num Deus apenas pressuposto, cuja natureza a razão humana não consegue entender. Por que, então, não aceitar o inevitável? Se a dor e a morte fazem parte da vida, temos que conviver com elas, tentando sofrer o menos possível. A filosofia antiga já pregava o “desapego”, a indiferença perante as vicissitudes da vida que a gente não poderia alterar. Estóicos e epicuristas consideravam a filosofia como “a medicina da alma” por nos ajudar a superar o medo da morte. Por que temer a morte, se não há encontro com ela? Quando somos vivos, ela não está aqui; e, quando ela chega, já a gente não está mais neste mundo. De outro lado, já pensaram como seria triste a vida sem a morte? Ficar velho, doente, caduco e não poder dar um fim a seus dias? Por que o homem não deveria seguir a lei cósmica que reza “tudo o que nasce morre”? E, se a alma humana nasceu junto com o corpo, por que não deveria morrer junto também? Na verdade, a dor de o homem se considerar um animal sem futuro é insuportável para mentes não acostumadas ao raciocínio. É muito mais confortável acreditar na promessa de sermos imortais e reencontrar nossos entes queridos após a morte física, um dia, num mundo feito de pura espiritualidade. Tal esperança é boa demais para ser descartada. Mas, por isso, pagamos um preço muito alto: a renúncia ao espírito crítico e a convivência com a mentira e a ilusão. Apresento, a seguir, a lista de alguns livros que me ajudaram na elaboração deste trabalho, como indicação bibliográfica e sugestão de leitura complementar. Eles têm em comum os mesmos temas (filosofia, religião e política) e o mesmo tempo de publicação (todos recentes), além do fato de serem traduções. É uma pena que, pelo que eu saiba, nenhum estudioso brasileiro tenha tratado do palpitante assunto sobre o “pensamento alargado”. Aqui vai o convite: estou passando a bola! André Comte-Sponville - O Espírito do Ateísmo (Introdução a uma espiritualidade sem Deus). Martins Fontes, 2007. Christopher Hitchens: Deus não é grande (Como a religião envenena tudo) Ediouro, 2007. Hannah Arendt - As origens do totalitarismo. Companhia das Letras, 1989. Karen Armstrong - A Bíblia (Uma Biografia). Zahar, 2007. Lou Marinoff - Mais Platão, menos Prozac (a filosofia aplicada ao cotidiano). Record, 2006. Luc Ferry - Aprender a viver (filosofia para os novos tempos). Objetiva, 2007. Michel Onfray. Tratado de Ateologia. Rocco, 2007. Norberto Bobbio - O filósofo e a política (Antologia). Contraponto, 2007. Richard Dawkins - Deus, um delírio. Companhia das Letras, 2007.

 10º encontro (08/10)– Construindo uma Cidadania: ensaio sobre a cegueira política Recentemente, a revista americana Science publicou os resultados de duas décadas de pesquisas paleontológicas sobre um fóssil da Etiópia, descobrindo que nossa primeira vovó não foi a Lucy (mais nova, um milhão de anos), mas a Ardi, uma fêmea hominídea com a idade de 4,4 milhões, de 50K, medindo 1,20. O que espanta é a lentidão da evolução do Universo e do Homem. O Big Bang teria acontecido há uns 13 bilhões de anos e a separação entre os chimpanzés e a linhagem humana deve ter acontecida há aproximadamente 5 milhões, a ciência ainda não conseguindo identificar o primata comum às duas espécies. Lenta não é apenas a transformação física, mas também a evolução intelectual. Há gente que morre sem superar a mentalidade da criança. O médico e cientista brasileiro Dráuzio Varella, no artigo “Ciência e a percepção intuitiva da criança” (Bom Dia, 24/10/2009) salienta a dificuldade do ser humano em aceitar as verdades que a ciência vem descobrindo. A maioria das pessoas não supera o estágio da percepção intuitiva própria da idade infantil. A criança tem dificuldade em aceitar que a terra é um globo, porque não consegue entender como as pessoas possam andar de cabeça para baixo, visto que sua experiência é dos objetos caírem no chão e não de serem atraídos pelo magnetismo. Quando o pai explica ao menino de 5 anos o princípio da atração universal, ele não entende, mas acredita na palavra do adulto, pressupondo que sabe das coisas. Assim, a grande massa desinformada, por preguiça mental, acredita em líderes políticos ou religiosos que a induzem a seguir caminhos tradicionais, mesmo contrários à verdade histórica e científica e aos próprios interesses de cidadão com direito à justiça social e à felicidade individual. Em busca de uma identidade nacional “Nosso principal objetivo deve ser reconstruir a sociedade sobre uma base tal que a pobreza se torne impossível” A expressão acima é de Oscar Wilde, escritor irlandês que viveu de1854 a1900. Tal afirmação foi quase fatídica: os povos do Norte da Europa (anglo-saxões e escandinavos, principalmente), um século depois, alcançaram um nível de cidadania que chega quase ao ideal. Eles debelaram a miséria, construindo um Estado de democracia e de liberdade, sem descuidar da justiça social: salários satisfatórios e conforme o mérito de cada um, planejamento familiar e controle de natalidade, eficiente sistema educacional e de saúde, transportes coletivos funcionais (trens velozes e metrôs). Mas será que não existem pobres na Suécia ou na Dinamarca? Existem sim, mas podem reparar que são famílias de emigrantes que chegaram lá provenientes de regiões atrasadas da África, do Oriente Médio, dos Bálcãs, da América central e meridional. Algo semelhante ao que acontece no Brasil com nossos irmãos nordestinos que chegam na metrópole de São Paulo em busca de trabalho e acabam morando em favelas ou em baixo de viadutos. A meu ver, o sucesso dos povos anglo-saxônicos, comparativamente aos de origem latina, reside em dois pilares: o amor ao trabalho e o culto da cidadania. Uma pesquisa recente constatou que quase a metade dos brasileiros tolera a corrupção e o nepotismo, declarando que, se pudessem, eles também contratariam parentes e amigos para ocupar cargos públicos sem concurso, pouco se lixando com a falta de competência para exercer determinada função. E isto confirma o fato de que a sociedade brasileira ainda não se deu conta de que o dinheiro do governo é o “nosso” dinheiro, proveniente dos pesados impostos. O que é “público” é de todo o mundo, devendo ser usado exclusivamente em benefício da coletividade. Único caminho possível: elaboração de uma Constituinte sem políticos “Só os visionários enxergam o óbvio”(Arnaldo Jabor) O jornalista acima citado relata a seguinte confidência feita-lhe pelo imortal dramaturgo Nelson Rodrigues: se Deus perguntar para mim se fiz alguma coisa que preste na vida para entrar no céu, responderei: “Sim, Senhor, inventei o óbvio”. O óbvio é o que está na frente de nossos olhos e não queremos enxergar. Se a sociedade civil continuar a permitir que políticos e governantes legiferem em causa própria, salvaguardando imunidades e mordomias, como cortar a raiz do mal, que reside numa herança de ignorância, servidão, corrupção, nepotismo, impunidade? Lembramos a famosa frase do Príncipe de Salina, o protagonista do romance O Leopardo, de Tomasi di Lampedusa, ironizando as reformas propostas pelos conquistadores da Sicília, na época do herói nacionalista Giuseppe Garibaldi: “Mudem tudo, mas apenas o suficiente para manter tudo exatamente como está”! O antigo coronelismo foi substituído pelos modernos programas sociais, utilizando acintosamente a máquina estatal. E a servidão continua, colocando-se sempre a caridade em lugar da justiça. Repetindo o Presidente Obama, “Sim, nós podemos! Não porque sempre foi assim tem que continuar desse jeito. O povo brasileiro tem condições de reverter a humilhante situação de sobreviver à custa de esmolas do poder público. Ele deve começar a clamar pela justiça social e não pela caridade dos poderosos, que tiram o dinheiro da classe média que produz a riqueza nacional para sustentar exploradores da classe alta e vagabundos da classe baixa. Os governos que se sucederam, ao longo de quase cinco séculos (monarquia, ditadura militar, falsas democracias de direita ou de esquerda), foram sempre marcados pela corrupção e pela impunidade, pouco se importando em fazer as reformas estruturais capazes de construir uma cidadania de verdade. Especialmente na atual conjuntura, não há político decente: quem não é pessoalmente corrupto, é conivente ou omisso, carregando na alma a responsabilidade pelo futuro pouco promissor reservado a nossos filhos e netos. Se se gastar mais do que se arregada, alguém há de pagar o acúmulo da dívida pública. O pecado original do fracasso das várias Constituições, inclusive da de 1988, hipocritamente chamada de “cidadã”, é que elas foram redigidas pela classe política, por Deputados e Senadores da República preocupados mais em defender seus direitos corporativistas do que o bem estar social. Nossas instituições permitem o domínio permanente de oligarquias que sustentam e são sustentadas por currais eleitorais. À ditadura pelas armas sucedera a ditadura pelo voto popular. É pura ilusão esperar de membros dos atuais partidos políticos, fragmentados e comprados por cargos públicos e inúmeras mordomias, alguma reforma substancial: desse mato não sai coelho! A salvação estaria na proclamação de uma nova Carta Magna, elaborada não por políticos detentores do poder, mas por uma Assembléia Constituinte composta de cidadãos honestos e competentes, imbuídos de um alto espírito cívico, dispostos a trabalhar gratuitamente. Os Constituintes deveriam jurar que não irão ocupar cargos públicos eletivos ou executivos, pois nunca deveria ser permitido promulgar leis em benefício próprio. Caberia à Sociedade Civil iniciar um movimento de conscientização para a construção de uma cidadania onde não houvesse partidos de aluguel, corrupção, impunidade, injustiça social. ONGs que cuidam de democracia, cidadania e transparência, ajudadas pelo “quarto poder”, constituído pelos meios de comunicação, deveriam convocar as forças vivas da Nação (Ordem dos Advogados, Sindicatos, Uniões de Estudantes, sociólogos, artistas, cientistas) para formular um esboço de Constituição, enxuta e assertiva. O projeto seria submetido à apreciação de todos os cidadãos, via Internet e outros meios de mídia interativa, para acolher sugestões. Sua redação final seria objeto de aprovação popular via Referendum ou Plebiscito. Anteriormente a uma reforma do atual sistema político, qualquer eleição deveria ser considerada eticamente ilegítima. Um país é realmente democrático quando o voto popular é expresso livremente, sem nenhuma obrigação de ordem física ou moral. Ora, se o povo menos informado e mais necessitado vende seu voto em troca de um benefício qualquer, sua escolha não está sendo livre. O voto de cabresto é a negação do próprio princípio democrático por causar um verdadeiro mercado: irá vencer quem tiver mais dinheiro ou, estando já no poder, oferecer mais regalias e colocar melhor a máquina do Estado a serviço da propaganda eleitoral. Passo a apontar algumas reformas estruturais que poderiam ser implantadas pela nova Constituição: Parlamentarismo com Bipartidarismo O sistema político em vigor ofende o princípio democrático do respeito à vontade da maioria do povo, pois, devido à fragmentação partidária, são as legendas nanicas que acabam dirigindo a Nação. Explico: se o partido A recebe 40% dos votos, o B 30% e o C 15%, será este último (ou vários pequenos associados) a ser o fiel da balança. E isso porque os partidos menos votados barganham seu apoio com um ou outro partido de maioria apenas relativa. Com apenas dois partidos, o vencedor teria a maioria absoluta, podendo pôr em prática as reformas prometidas na campanha eleitoral. Caberia ao Presidente da república, escolhido pelo Congresso, com mandato indeterminado, não filiado a nenhum partido e com função apenas representativa e moderadora, indicar um Primeiro Ministro para colocar em prática o programa do partido vencedor. Teríamos, assim, a divisão do poder entre o Chefe do Estado (o Presidente da República) e o Chefe do Governo (o Primeiro Ministro). Este, tendo a maioria absoluta no Congresso Nacional, poderá nomear Ministros de Estado e outros assessores com ampla liberdade, sem depender do apoio da oposição. Desta forma, estaria garantida a plena governabilidade, sem prejuízo da liberdade institucional, pois, se o governo não correspondesse às aspirações populares, não promovendo as reformas estruturais necessárias para o bem da coletividade, o Presidente da República poderia, em qualquer momento, indicar outra pessoa para compor um novo Gabinete. Não havendo acordo, o Presidente, a qualquer momento, poderia dissolver o Parlamento e convocar novas eleições. Nesta última hipótese, um dispositivo legal deveria proibir qualquer Deputado Federal de concorrer a novos mandatos. Em contrapartida, o plenário da Câmara poderia destituir o Presidente da República, caso ele não agisse com justiça e probidade. Mas, como todo sistema político, o Bipartidarismo também poderia apresentar inconvenientes. O perigo maior seria cairmos numa “ditadura partidária”, se alguns chefões se apoderassem das rédeas de um partido, tornando-se donos das legendas, indicando os candidatos aos pleitos não por qualidades ou méritos, mas por intrigas e interesses espúrios, coibindo a liberdade individual de discordar e de se candidatar. Tal perigo poderia ser esconjurado se fosse posto em prática o princípio democrático de fazer prevalecer a vontade da maioria. Os dois partidos deveriam usar sempre o sistema de “prévias”, dando a todos os filiados o direito de escolher os candidatos a postos de comando. Enxugamento do Estado: sistema unicameral e proporção representativa equânime. O Senado da República, além de inútil, é uma instituição nociva ao país, sendo um exemplo de que, como afirmou Fernando Pessoa, “a administração do Estado é o pior de todos os sistemas imagináveis”. Além de extinguir o Senado, deveria ser reduzido o número de deputados federais e estaduais, como também dos vereadores. Se a quantidade de políticos fosse garantia do progresso de um Estado ou região, o Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil seriam as regiões mais desenvolvidas, pois, proporcionalmente, se beneficiam de um maior número de representantes no Congresso Nacional. Enquanto o Estado de Roraima tem 01 deputado para cada 50 mil habitantes, São Paulo tem 01 para cada 570 mil. Quer dizer, politicamente, um paulista vale onze vezes menos do que um cidadão que vive no Norte do país. Talvez essa seja a causa principal da enorme disparidade econômica entre as várias regiões do Brasil: onde há mais políticos, maior é o atraso, pois aumenta a roubalheira! Educação em tempo integral “Se seus projetos são para um ano, semeie o grão; se são para dez anos, plante a árvore; se são para toda a vida, eduque o povo” (provérbio oriental) O espetáculo mais vergonhoso que um País possa apresentar é a existência de crianças abandonadas, pedindo esmolas, cheirando cola ou traficando drogas. Cuidar da primeira infância e da adolescência é fator fundamental para a construção de uma verdadeira cidadania, de uma Nação que se possa considerar civilizada. A responsabilidade é tanto da Família quanto do Estado, pois o abandono das nossas crianças está na origem do desemprego, da delinqüência, da injustiça e da miséria social. Quando os pais não podem, a obrigação de assistir as crianças é do governo (municipal, estadual e federal), garantindo creches e escolas para todos e em tempo integral. A criança deve ser assistida, no mínimo, oito horas por dia, para participar das aulas, fazer as tarefas de casa, ler jornais, revistas e livros, praticar esportes e alguma atividade artística Paternidade Responsável: planejamento familiar, aborto, eutanásia “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria” A afirmação acima, do personagem Brás Cubas, manifesta a costumeira descrença de Machado de Assis nos valores impostos pela sociedade. Por sua ironia sutil, ele questiona o direito do homem de pôr filhos num mundo onde reinam o egoísmo e a hipocrisia, a vida oferecendo mais sofrimento do que gozo. É significativo o fato que, ao nascer, enquanto o bebê chora, seus genitores esboçam um largo sorriso de contentamento por satisfazer o instinto natural da continuação da espécie. Pois bem, a este direito deveria corresponder o dever de assistir o recém-nascido ao longo de toda sua existência, especialmente na infância e na adolescência, quando mais precisa de ajuda, pois é quando se forma sua personalidade. O direito de um homem e de uma mulher terem filhos não pode anular o direito de um filho ter uma mãe e um pai que cuidem da sua existência. O sábio grego Aristóteles, no longínquo séc. IV a.C., já observara: “Quanto mais desenvolvida for a espécie, menor será sua prole”. A eficiência do planejamento familiar e a educação para a prática do sexo seguro e responsável facilitariam muito a solução de um gravíssimo problema ético e social: o aborto. Decidir quem tem o direito de dar início ou fim a uma vida, eis a questão. Todas as religiões professam a fé na origem divina do ser humano, considerando a vida como um dom de Deus, que colocaria uma alma imortal em cada corpo humano em algum momento da gestação. Até agora, porém, nenhum teólogo se dignou precisar onde e como se daria tal intervenção divina. A legislação brasileira (Código Penal, artigo 121) considera o aborto um ato não criminoso apenas em duas circunstâncias: “se não há outro meio de salvar a vida da gestante ou no caso de gravidez resultante de estupro”. Entendemos a ressalva do primeiro caso, pois pode se aduzir o princípio da legítima defesa; mas o segundo caso é um absurdo jurídico. Que culpa tem um feto se foi concebido por uma violência sexual? Se a proibição do aborto tem como justificativa a preservação da vida, então como condenar um inocente à pena de morte? Será que o feto gerado por estupro tem menos vida do que outro proveniente de uma relação consensual, ou nele Deus não teria insuflado uma alma? Não seria mais justo deixar que a mulher resolva por si própria o que fazer com o que está dentro do seu corpo? Ao Estado caberia apenas ajudá-la, após sua decisão. Como o aborto, também a eutanásia diz respeito ao direito de viver ou morrer. O étimo grego significa “boa morte”: ajudar um enfermo incurável a morrer, pondo fim ao sofrimento, sendo esta sua vontade expressa ou presumida. Distingue-se a eutanásia “ativa", uma ação combinada entre o doente e outra pessoa para causar a morte, e a eutanásia “passiva” (ortotanásia), quando não se provoca deliberadamente a morte, mas apenas se interrompe o tratamento médico de manutenção do estado terminal. Qualquer forma de eutanásia é proibida pela religião, que acredita a vida humana pertencer a Deus, e pelo Estado, que tem como princípio a proteção da vida de seus cidadãos. A questão bioética é muito discutida e resolvida de modo diferente em diversos países. A meu ver, sofrer e deixar sofrer sem esperança, além de não inteligente, não é uma solução piedosa. Olhem a incongruência: é considerado ético matar um cavalo ferido para evitar que sofra, mas imoral livrar um ser humano de uma dor insuportável! Como se a morte não fosse o destino final de todo ser vivo! Trabalho e Meritocracia, “Um dia trabalharei. E dentro de vinte e cinco ou trinta anos, no máximo, cada homem trabalhará. Cada homem!” Esta fala do barão Nikolai Tusenbach, personagem da peça As três irmãs, de Anton Tchekhov, representada em 1901, foi profética, pois, 16 anos depois, estourou a Revolução Bolchevique na antiga União Soviética, obrigando todos os homens a produzirem bens para a coletividade. Estava instalado o regime comunista com a pretensão de pôr em prática os ideais socialistas de Karl Marx. Pena que os privilégios, tirados da classe nobre da época czarista, reaparecessem ao longo do domínio dos burocratas soviéticos, levando a revolução comunista ao fracasso. Na verdade, o trabalho é um direito e um dever fundamental do ser humano, sendo a única atividade que realmente nobilita nossa existência. “Direito” porque, se não encontrar um emprego decente, como uma pessoa adulta pode sustentar a si e a sua família? Mas é, sobretudo, um “dever”, pois, se o homem não se preparar para um ofício, dificilmente arrumará um bom emprego. Qualquer democracia não funciona a contento sem meritocracia e justiça social. Tem que se respeitar a lei universal do plantio e da colheita: quem mais e melhor semear deve fazer jus a uma maior retribuição. Mas o Estado não pode permitir que um seu funcionário chegue a ganhar 100 (cem!) vez mais que outro. Além do mínimo deveria existir também um salário máximo, no teto estando incluído qualquer tipo de bonificação. Em muitas repartições governamentais, quem mais ganha é quem menos trabalha. Os funcionários públicos já foram comparados aos livros numa estante: os que estão mais no alto são os menos usados, os preciosos inúteis.